Legenda da foto, Susan, nome fictício, quando bebê, na década de 50Article information
Susan ficou perplexa quando viu os primeiros resultados de seu kit de teste de DNA caseiro.
Agora, uma mulher de 70 e poucos anos, ela nunca soube muito sobre o avô e pagou pelo exame particular para ver se havia algo incomum.
"Percebi que havia muita herança irlandesa, o que, até onde eu sabia, era errado", diz ela.
"Mas eu simplesmente deixei de lado e não pensei mais nisso. Parei de pagar minha assinatura e foi isso."
Só que não foi bem assim.
Foram necessários mais seis anos para que Susan - que não é seu nome verdadeiro - percebesse que tudo o que ela sabia sobre a história de sua família estava errado.
Ela descobriu que, na década de 1950, havia sido trocada ao nascer por outra menina em uma maternidade movimentada do NHS.
Seu caso é agora o segundo desse tipo descoberto pela BBC. Os advogados dizem que esperam que mais casos apareçam, impulsionados pelo boom dos testes genéticos baratos e dos sites de ascendência.
Uma mensagem inesperada
Uma mulher inteligente e divertida, com cabelos brancos na altura dos ombros, Susan me conta sua história de sua sala ensolarada em algum lugar no sul da Inglaterra.
Seu marido está sentado ao lado dela, refrescando sua memória e contribuindo de vez em quando.
Depois de fazer esse teste de DNA há quase uma década, a empresa de genealogia inseriu os dados dela em sua vasta árvore genealógica, permitindo que outros usuários fizessem contato com seus parentes genéticos - próximos ou distantes.
Seis anos depois, ela recebeu uma mensagem inesperada.
O estranho disse que os dados dele correspondiam aos dela de uma forma que só podia significar uma coisa: ele devia ser seu irmão genético.
"Foi simplesmente pânico. Foram todas as emoções que pude imaginar, meu cérebro estava em todos os lugares", diz ela.
A primeira reação de Susan foi a de que ela poderia ter sido adotada secretamente. Como seus pais haviam morrido alguns anos antes, ela criou coragem e perguntou ao irmão mais velho.
Ele tinha certeza de que tudo aquilo era uma fraude. Sua irmã sempre fez parte de sua vida, e ele tinha "certeza absoluta" de que uma de suas primeiras lembranças era de sua mãe grávida.
Susan, porém, ainda tinha suas suspeitas. Ela era um pouco mais alta que o irmão e, com seu cabelo loiro marcante, nunca se pareceu com o resto da família.
Sua filha mais velha fez algumas pesquisas e encontrou uma cópia de todos os nascimentos registrados na área local no dia em que sua mãe nasceu.
A próxima menina da lista, registrada no mesmo hospital do NHS, tinha exatamente o mesmo sobrenome do homem que a contatou por meio do site de genealogia.
Não poderia ser uma coincidência. A única explicação possível era um erro ou confusão naquela maternidade, há mais de sete décadas.
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Legenda da foto, Nas décadas de 1950 e 60, os bebês eram frequentemente cuidados por parteiras em grandes berçários nos hospitais do NHS.
Até recentemente, casos como esse eram inéditos no Reino Unido, embora tenha havido alguns exemplos em outros países.
Atualmente, a prática padrão no NHS é colocar duas faixas ao redor dos tornozelos dos bebês imediatamente após o nascimento e manter mãe e filho juntos durante a internação hospitalar.
Na década de 1950, o atendimento à maternidade era muito diferente. Os bebês eram geralmente separados, colocados em grandes quartos de berçário e cuidados por parteiras.
"Todo o sistema era muito menos sofisticado naquela época", diz Jason Tang, do escritório de advocacia Russell Cooke, de Londres, que está representando Susan.
"Pode ser que a equipe não tenha anexado um cartão ou etiqueta imediatamente, ou que ele simplesmente tenha caído e sido colocado de volta no bebê errado ou no berço errado."
A partir do final da década de 1940, o Reino Unido também assistiu a um boom de bebês no pós-guerra, o que aumentou a pressão sobre os serviços de maternidade do recém-formado NHS.
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Legenda da foto, Susan cresceu acreditando que sua mãe e seu pai eram seus pais biológicos e só percebeu a verdade depois de fazer um teste de DNA em casa
Isso, é claro, não significou nada para Susan durante décadas.
Ela cresceu em uma família "normal, de classe trabalhadora", conheceu seu marido e acabou trabalhando para o NHS.
Além de "um pouco do trauma habitual" em sua adolescência, ela se lembra de seus pais como um casal "muito bom e amoroso" que "fazia tudo o que podia e sempre me incentivava".
"De certa forma, estou muito feliz por eles não estarem mais aqui para ver isso", diz Susan. "Se eles estiverem lá em cima me observando, realmente espero que não saibam o que está acontecendo."
Se os testes caseiros de DNA estivessem disponíveis antes, ela não acha que poderia ter contado a verdade a eles "porque teria sido horrível".
"Mas realmente não acho que, para mim, nada tenha mudado em relação a eles, eles ainda são mamãe e papai", diz ela.
Por outro lado, seu relacionamento com o homem que ela sempre conheceu como seu irmão mais velho foi, segundo ela, fortalecido pelo que ela passou.
"Na verdade, isso nos aproximou mais. Agora nos encontramos com mais frequência e eu recebo cartões enviados para 'minha querida irmã'", diz ela.
"Ele e sua esposa foram absolutamente fantásticos, sinceramente, não tenho palavras para elogiá-los."
Ela se lembra de ter recebido outra "carta adorável" de um primo na época, que lhe disse: "Não se preocupe, você ainda faz parte da família".
Quanto a seus novos parentes de sangue, ela diz que a situação tem sido mais difícil.
Ela se encontrou com o homem que a contatou, seu irmão biológico, e ri ao se lembrar da semelhança entre os dois.
"Se tivessem colocado uma peruca nele e um pouco de maquiagem, honestamente poderia ter sido eu", brinca ela.
Ela também viu fotos da outra mulher com quem foi trocada no nascimento e de seus filhos.
Mas construir um relacionamento com esse novo lado de sua família não tem sido fácil.
"Eu sei que eles são meus parentes biológicos, mas não cresci com eles, então não há essa conexão emocional", diz ela.
Os pais genéticos de Susan morreram há alguns anos, mas dizem que ela se parece com sua mãe biológica.
"Eu ainda gostaria de saber um pouco mais sobre ela - como ela era e tudo o mais - mas nunca saberei, então é isso", diz ela.
"Mas se eu tirar a emoção do assunto e pensar de forma lógica e clara, a forma como cresci foi melhor."
Um erro histórico
Susan é uma das primeiras a receber indenização - o valor não está sendo divulgado - em um caso como esse.
Ela precisou fazer um segundo teste de DNA antes que o NHS Trust envolvido aceitasse seu erro histórico e apresentasse um pedido de desculpas "muito gentil".
No ano passado, a BBC relatou outro caso dedécadas de bebês trocados no nascimento, que novamente veio à tona depois que alguém recebeu um kit de teste de DNA no Natal.
Susan diz que o acordo nunca teve a ver com dinheiro, mas com o reconhecimento de que um erro havia sido cometido há tantos anos.
"Acho que você sempre quer culpar alguém, não é?", pergunta ela.
"Mas sei que isso vai me acompanhar pelo resto da minha vida. Eu só queria uma conclusão."
Legenda da foto, Os presidentes Lula e Donald TrumpArticle information
Author, Julia Braun
Role, Da BBC Brasil em Londres
5 abril 2025, 08:44 -03
Apesar de estarem de lados opostos da polarização, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump dividem um interesse por "narrativas conspiratórias" que enquadram a elite que controla a política tradicional como o inimigo, diz o professor de Relações Internacionais e pesquisador da direita radical Benjamin Teitelbaum.
Professor da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, Teitelbaum é autor do livro Guerra pela Eternidade (Unicamp, 2020), sobre a corrente de pensamento que inspirou Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, Alexandr Dugin, ultranacionalista que influenciou Vladimir Putin, e Olavo de Carvalho.
Em entrevista à BBC News Brasil, Teitelbaum disse acreditar que os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos se baseiam em ideias semelhantes ao criticarem o dito "establishment político ocidental", mas usam de nomes diferentes para caracterizar seus "adversários".
"Quando Trump fala sobre um establishment globalista que precisa ser atacado e que é responsável por todo tipo de transgressão, para mim é fácil identificar que Lula e ele estão falando sobre a mesma coisa", diz.
"Eles apenas decidem chamá-la de entidades ligeiramente diferentes: trata-se do imperialismo ocidental em um caso [de Lula] e do globalismo liberal no outro [Trump]."
O termo "globalismo" é utilizado por Trump e seus seguidores em referência a uma ideologia ou um conjunto de práticas políticas, econômicas e sociais que defendem a maior integração entre os países.
Apesar de ser definido por especialistas como um termo vago, o presidente dos EUA geralmente o emprega como um sinônimo de perda de soberania nacional e enfraquecimento da cultura americana.
Já Lula adotou, ao longo de sua carreira, uma postura crítica em relação às dinâmicas de poder e influência das potências ocidentais no cenário internacional.
Segundo o presidente brasileiro, o mundo precisa caminhar para um cenário mais multipolar, no qual as grandes potências do Ocidente não exerçam tanta influência e os países do Sul Global possam ter mais voz e autonomia.
"Trump tem estado bastante disposto a dar voz à análise e às narrativas de Putin sobre a situação na Rússia. E Lula também, tenho que dizer", diz
"Ambos têm se mostrado mais do que satisfeitos em dizer coisas como 'Putin foi ameaçado e a Ucrânia começou a guerra' ou que ambos são responsáveis pela guerra."
Questionado sobre o porquê dos líderes adotarem tal posição, o professor da Universidade de Colorado afirmou que enquanto Trump tenta buscar a simpatia de Putin durante as negociações sobre a Ucrânia, Lula vê o tema como uma oportunidade de amplificar seu papel como liderança do Sul Global.
Teitelbaum afirmou, porém, também acreditar que o petista é "mais aberto e interessado em narrativas conspiratórias desde que estejam se opondo a um "establishment ocidental".
"E acho que ele compartilha isso com Trump. [...] Há uma espécie de instinto da perspectiva da esquerda de que se deve suspeitar das potências ocidentais, das forças ocidentais e talvez até das organizações internacionais ocidentais como uma fonte de imoralidade e traição no mundo."
"E você pode chegar a essa mesma posição olhando a perspectiva populista da direita radical."
'Eles vieram para ficar'
Em livro publicado em 2020, Benjamin Teitelbaum faz um mergulho na corrente filosófica tradicionalista que inspirou o americano Steve Bannon, o brasileiro Olavo de Carvalho e o russo Alexandr Dugin. Nas suas pesquisas, o professor também examina o crescimento e a influência de ideologias de direita no cenário global.
Para Teitelbaum, a direita radical populista que ganhou força no mundo nos últimos anos "veio para ficar". Mas segundo o pesquisador, o que deve mantê-la no poder não é "seu grande sucesso ou popularidade", mas sim o desaparecimento da centro-direita.
"Eu me pergunto se quando a direita populista enfrentar os desafios de ser o incumbente e começar a tramar seus contra-ataques, responder às derrotas e se reconstruir, haverá uma centro-direita para participar desse processo", questiona.
"E não, eu acho que não [haverá]. A centro-direita está se desintegrando completamente em todos os lugares."
"Então, nesse aspecto, eles vieram para ficar. Mas é o desaparecimento da centro-direita que me deixa mais confiante disso, ao invés apenas do grande sucesso e popularidade da direita populista em si."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Benjamin Teitelbaum com a BBC Brasil, editada por concisão e clareza.
BBC News Brasil - Estamos vendo atualmente o que parece ser uma aproximação entre os EUA sob Trump e a Rússia sob Vladimir Putin. O que une esses dois líderes?
Benjamin Teitelbaum - Há vários aspectos. Por um lado, na superfície, estamos falando de dois homens que se consideram líderes fortes e dispensam o decoro. Trump também parece motivado a abraçar Putin porque isso incomoda seus inimigos - e rejeitar as ideias do establishment de Washington, que prega que um presidente americano não pode ser amigo do presidente da Rússia, é uma forma de mostrar sua própria independência.
Por outro lado, é preciso notar que há raízes mais profundas, e eu dediquei muito tempo a estudar isso para o meu livro. Para mim, uma das ideias expostas por Steve Bannon [ideólogo da direita radical e ex-conselheiro de Trump] é a de que tanto a Rússia quanto os Estados Unidos são Estados nacionalistas e cristãos e, por isso, deveriam se alinhar contra Estados que não são nenhuma dessas coisas - especialmente contra a China.
Não sei exatamente os caminhos que esse pensamento encontrou para chegar ao topo [da liderança] em Washington, mas com certeza ele chegou lá. Marco Rubio, secretário de Estado [dos EUA], fala exatamente nessas linhas. E tudo isso está por trás do relacionamento atual de Trump com Putin.
BBC News Brasil - Há quem diga que Donald Trump cultiva uma certa admiração por Putin…
Teitelbaum - Trump tem estado bastante disposto a dar voz à análise e às narrativas de Putin sobre a situação na Rússia. E Lula também, tenho que dizer. Ambos têm se mostrado mais do que satisfeitos em dizer coisas como 'Putin foi ameaçado e a Ucrânia começou a guerra' ou que 'ambos são responsáveis pela guerra'. Trump também disse que [o presidente da Ucrânia, Volodymyr] Zelensky é um ditador.
Trump pode ser agradável. Seus oponentes não gostam de admitir isso, mas ele tem um carisma interpessoal e parece, em muitos casos, querer encontrar maneiras de se dar bem com a pessoa na frente dele na mesa de negociação.
Mas meu interesse está menos em todo o teatro ao redor dessa aproximação e mais nas coisas que ele tem dito, nas propostas e nas narrativas sobre Putin que ele tem se disposto a apresentar. E isso me mostra admiração. Me mostra respeito. Me mostra uma deferência a Putin que vai além de um sorriso quando estão frente a frente.
Crédito, Arquivo pessoal
Legenda da foto, "Trump tem estado bastante disposto a dar voz à análise e às narrativas de Putin sobre a situação na Rússia. E Lula também, tenho que dizer", diz Benjamin Teitelbaum
BBC News Brasil - O senhor mencionou o apoio de Lula à versão dos fatos adotada por Putin. Qual o interesse dele, na sua visão, em tomar essa posição?
Teitelbaum - Lula vê uma oportunidade de fortalecer os Brics e a ideia de não-alinhamento, especialmente entre os Estados do Sul. Ele tem feito isso por vários anos e ajusta sua análise moral e seus relatos sobre a história para tornar esse objetivo político mais atingível.
Uma visão mais cínica seria de que ele está mais aberto e interessado em narrativas conspiratórias desde que estejam se opondo a um establishment ocidental. E acho que ele compartilha isso com Trump. Há uma espécie de instinto da perspectiva da esquerda de que se deve suspeitar das potências ocidentais, das forças ocidentais e talvez até das organizações internacionais ocidentais como uma fonte de imoralidade e traição no mundo. E você pode chegar a essa mesma posição olhando a perspectiva populista da direita radical.
Não é que Trump odeie o governo dos Estados Unidos em si, mas quando ele fala sobre um establishment globalista que precisa ser atacado e que é responsável por todos os tipos de transgressão para mim é fácil identificar que Lula e eles estão falando sobre a mesma coisa. Eles apenas decidem chamá-la de entidades ligeiramente diferentes: trata-se do imperialismo ocidental em um caso e do globalismo liberal no outro.
BBC News Brasil - O que a aliança inesperada entre Trump e Putin pode significar para o futuro da guerra na Ucrânia e da ordem mundial, na sua opinião?
Teitelbaum - A Rússia quer a Ucrânia e não será convencida por negociações sobre a Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte] ou a União Europeia, porque no fim das contas essa guerra não é sobre nenhuma dessas coisas. Putin reivindica uma espécie de direito histórico sagrado à Ucrânia e continuará até alcançar esse objetivo.
Por outro lado, não acho que a Rússia será capaz de conseguir o que quer na Ucrânia. Mesmo se vencer essa guerra da forma como sonha e ocupar a Ucrânia, uma insurgência surgiria, já que a maior parte da população não vai aceitar ser governada por Moscou. Isso significa uma nova guerra e mais desestabilidade para a Europa até que se estabeleça uma fronteira que a Rússia seja obrigada a respeitar. Essa é a única maneira que eu vejo de essa guerra acabar, na verdade.
E só com o estabelecimento dessa fronteira devemos começar a ver um realinhamento de [forças], possibilitando que os Estados Unidos se afastem da Europa. Se essa guerra continuar, Trump pode até fingir estar se afastando, mas não pode operar como de costume quando há tanta instabilidade no Ocidente.
Crédito, EPA
Legenda da foto, Donald Trump e Vladimir Putin em 2017
BBC News Brasil - Há um aparente crescimento do catolicismo conservador nos EUA, em linha com o que o vice-presidente JD Vance prega. Como você avalia esse movimento?
Teitelbaum - O Tradicionalismo e essa nova ascensão do catolicismo, que às vezes é chamado de catolicismo tradicional, seguem um mesmo caminho. Me parece que ambos estão expressando um anseio por transcendência ou direção arcaica, além de uma insatisfação com a modernidade liberal secular e um sentimento de falta de objetivo e de identidade
BBC News Brasil - Mas por que mais pessoas estão buscando o catolicismo tradicional nesse momento?
Teitelbaum - Vejo como mais uma expressão da insatisfação com a democracia, o liberalismo e a modernidade. Essa é a grande história por trás da política ao redor do mundo hoje: os cidadãos e eleitores não confiam mais nas instituições. E podemos conectar esse fenômeno com uma perda de confiança em quaisquer instituições religiosas que existiam.
Mas acho sensato também analisar mais profundamente e dizer que as pessoas estão, na verdade, reagindo contra uma cultura e um sistema dominantes - que incluem o governo, as universidades, a ciência e o secularismo - que pregam que sua vida será melhor se você conseguir se libertar das superstições da religião. Essa é a mensagem liberal progressista atual.
E ao mesmo tempo em que as sociedades sentem que outras instituições democráticas liberais não as servem mais, também começam a perceber que o secularismo também não as serve. Nesse momento se voltam não para qualquer movimento religioso, mas para movimentos religiosos que parecem ser anteriores à modernidade. O catolicismo é um desses movimentos, assim como as Igrejas Ortodoxas Orientais.
BBC News Brasil - Em determinado momento, parecia que a nova direita estava perdendo força, com a derrota de Trump nas eleições de 2020 e o fim do governo Bolsonaro. Mas Trump está de volta, a direita radical está crescendo na Alemanha e em outras partes da Europa e as críticas à democracia liberal, à globalização e às alianças internacionais parecem estar mais fortes do que nunca. Na sua opinião, esse movimento veio para ficar?
Teitelbaum - Sim, mas não exatamente pelos motivos que você mencionou. Há uma maneira de interpretar as eleições recentes que faz a direita radical parecer mais sortuda do que forte: os verdadeiros perdedores dos últimos anos foram os políticos incumbentes. Quem quer que estivesse no poder nos últimos anos enfrentou grande dificuldade para vencer.
E eu me pergunto se quando a direita populista enfrentar os desafios de ser o incumbente e começar a tramar seus contra-ataques, responder às derrotas e se reconstruir, haverá uma centro-direita para participar desse processo. E não, eu acho que não [haverá]. A centro-direita está se desintegrando completamente em todos os lugares.
Então, nesse aspecto, eles vieram para ficar. Mas é o desaparecimento da centro-direita que me deixa mais confiante disso, ao invés apenas do grande sucesso e popularidade da direita populista em si.
Legenda da foto, Fred Hoyle nasceu em 1915, ano em que Albert Einstein publicou sua teoria geral da relatividadeArticle information
Author, Redação
Role, BBC News Mundo
Há 1 hora
"Palavras são como arpões", disse o astrofísico e cosmólogo Fred Hoyle em uma entrevista em 1995. "Depois que elas entram, é muito difícil tirá-las."
Ele estava se referindo a duas das centenas de palavras que havia dito durante uma palestra quase meio século antes.
Na época, ele era um dos cientistas mais famosos fora dos círculos acadêmicos por sua genialidade em explicar coisas fascinantes, mas difíceis de entender, para o público em geral.
Por isso, a BBC o convidava com frequência para fazer exatamente isso — e, em 1949, anunciou que apresentaria um programa no qual "um astrofísico analisaria as pesquisas recentes sobre o Universo em expansão".
"O orador, Fred Hoyle, é membro do St. John's College, da Universidade de Cambridge, e professor de matemática na universidade", acrescentou.
A ideia de que o Universo estava se expandindo já havia sido aceita pela maioria dos físicos.
Fascinado pela matemática das fórmulas da relatividade de Einstein, o padre católico e físico belga Georges Lemaître descobriu que elas levavam inexoravelmente à conclusão de que o Universo estava se expandindo.
De forma independente, o matemático russo Aleksandr Fridman fez o mesmo.
E, em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble corroborou isso, após observar que a maioria das galáxias estava se afastando rapidamente da nossa.
As "pesquisas recentes" sobre as quais Hoyle iria falar não questionariam esse fato.
Mas ilustrariam duas versões da eternidade que se chocariam ferozmente por décadas.
A grande explosão
Depois de concluir a teoria geral da relatividade, Einstein aplicou sua nova abordagem da gravidade ao Universo.
Em 1917, ele propôs um modelo conhecido como Universo estático eterno de Einstein e, por mais de uma década, com pouquíssimas exceções, a origem física do Universo não foi tema de debate.
O próprio Einstein confirmou em 1929 que o espaço havia existido eternamente quando afirmou que "o continuum [espaço-tempo] é infinito em sua extensão temporal".
Mas, àquela altura, Lemaître já estava ruminando uma nova ideia.
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Legenda da foto, 'Quando o universo era um átomo, e o tempo começou', dizia o diagrama apresentado por George Lemaître (à esquerda de Albert Einstein), quando ele explicou sua teoria no Observatório Wilson, em Pasadena, em 1933
Se o Universo estava ficando maior, em algum momento ele deve ter sido menor, ele deduziu.
Portanto, se você se projetasse no passado distante, chegaria ao ponto em que toda essa vastidão acabaria reduzida a uma massa muito compacta e quente.
Essa ideia, que ele chamou de "hypothèse de l'atome primitif" ou hipótese do átomo primitivo ou primordial, eclodiu na cena científica em 1931.
Embora tenha aparecido em artigos de revistas científicas, como a Nature, e em palestras de eventos de prestígio, o conceito do "padre cientista", conforme era chamado pela imprensa, contrariava as noções de seus pares.
O principal problema era que ele supunha que a origem de tudo era aquele átomo e que, antes do momento em que ele começou a se expandir, nem o tempo nem o espaço existiam.
Um Universo com uma história como esta não apenas era finito — como também, para muitos cientistas, incluindo Einstein, tinha ecos da ideia de criação divina.
Finito ou eterno
O modelo de Lemaître — com aquele objeto primordial altamente radioativo e tão denso que compreendia toda a matéria, espaço e energia de todo o cosmos, e sua explosão, a partir da qual as estrelas se formaram — foi deixado no ar.
Mas recebeu um impulso decisivo quando, em 1948, o astrofísico soviético-americano George Gamow apresentou sua versão.
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Legenda da foto, Uma única explosão colossal — ou várias, eternamente?
Desenvolvida com seu aluno Ralph Alpher e seu colega Robert Herman, a teoria postulava que a criação do Universo tinha sido de fato o resultado de um clarão de energia, a partir de um gás primordial superdenso.
E que, no fogo desta erupção, os elementos químicos cozinharam juntos a partir de partículas básicas "em menos tempo do que leva para cozinhar um prato de pato com batatas assadas", de acordo com Gamow.
Crucialmente, eles chegaram a prever que esse evento teria deixado uma radiação de fundo no Universo.
No mesmo ano, Hoyle e seus amigos, o astrofísico Thomas Gold e o matemático Hermann Bondi, apresentaram outra teoria.
O site da Universidade de Cambridge, onde os três trabalhavam, conta que dois anos antes Hoyle, Bondi e Gold foram assistir ao clássico filme de terror Na solidão da noite, no qual um pesadelo se repete.
Em uma conversa posterior, Gold imaginou um filme cíclico que poderia começar a ser assistido a qualquer momento.
Ele então especulou que talvez o Universo fosse assim, sem começo nem fim — e, talvez, à medida que se expandia, fosse "reabastecido" com matéria nova.
O comentário ganhou força, e os cálculos matemáticos de Hoyle indicaram que a matéria poderia ser criada continuamente no espaço e no tempo.
E se matéria nova estivesse sendo gerada em todos os lugares o tempo todo, o Universo teria que se expandir para acomodá-la.
A teoria do Estado Estacionário falava então de um Universo infinito e eternamente criativo.
O grande estrondo
No ano seguinte, Hoyle foi convidado a dar a palestra em que proferiu aquelas palavras que ele comparou a arpões.
Depois de explicar sua teoria cosmológica, ele descreveu a oposta.
"Essas teorias se baseiam na hipótese de que toda a matéria do Universo foi criada em um grande estrondo em um momento específico do passado remoto".
Este "grande estrondo" em inglês é um big bang.
É claro que o físico não tinha a intenção de cunhar um termo para nomear uma ideia na qual ele não acreditava, e nunca acreditou.
Mas ele tampouco escolheu este termo para ridicularizá-la, como muitos afirmaram desde então — nem sequer Lemaître, que era seu amigo, nem Gamow ficaram ofendidos.
Era um termo descritivo, não depreciativo.
Além disso, o termo big bang não causou muito impacto.
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Legenda da foto, Um termo inocente, mas certeiro, que acabou se tornando popular, embora os especialistas o considerassem inadequado para um evento tão importante
Ele apareceu impresso pela primeira vez pouco tempo depois na revista The Listener, da BBC, que publicou o texto daquela palestra, e no ano seguinte na transcrição de outra série de palestras muito populares de Hoyle, mas ele não o mencionou novamente até 1965.
Nas duas décadas seguintes, o termo, embora adotado pela imprensa, foi amplamente ignorado por físicos e astrônomos, como observou o historiador da ciência dinamarquês Helge Kragh.
Lemaître nunca o utilizou, e Gamow usou apenas uma vez em suas inúmeras publicações sobre cosmologia.
"Não gosto da palavra big bang; nunca chamo de big bang porque é meio clichê", Gamow diria ao historiador da ciência Charles Weiner em 1968, referindo-se à sua teoria.
"Eu a chamo de regime de radiação e metarregime", disse ele nesta entrevista, que foi preservada pelo Instituto Americano de Física.
A verdade é que o nome das hipóteses rivais era o de menos.
O conflito entre ambas as convicções era absoluto — e despertou por anos fortes sentimentos que levaram a uma das divisões científicas mais amargas do século.
Embora muitos cientistas tenham tomado partido, Gamow e Hoyle se tornaram seus rostos públicos.
Foi a mais significativa das controvérsias em que Hoyle se envolveu, mas não a única: o cientista tinha o hábito de ser franco.
Tanto que alguns se perguntam se, apesar de suas contribuições monumentais para a astrofísica e a cosmologia, essa franqueza custou a ele o Prêmio Nobel.
Um lampejo de brilhantismo
Uma destas contribuições monumentais foi resolver um grande mistério: até então, ninguém entendia como o Universo criava e construía os elementos químicos.
Lembra que Gamow havia dito que todos eles cozinharam logo após o estrondo, "em menos tempo do que leva para cozinhar um prato de pato com batatas assadas"?
O hidrogênio, o elemento mais leve, provavelmente sim.
Mas as conjecturas de Gamow não explicavam a formação de elementos mais pesados.
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Legenda da foto, Em 1957, Hoyle e sua equipe mostraram como as estrelas, em seus últimos momentos espetaculares que culminam em explosões de supernovas, criam elementos que são ejetados no Universo (Imagem de Cassiopeia A, remanescente de uma estrela massiva que morreu em uma violenta explosão de supernova há 325 anos)
Hoyle demonstrou que todos os elementos que compõem nosso mundo estão sendo cozinhados dentro das estrelas desde sempre.
Ele desenvolveu a ideia de nucleossíntese.
E argumentou que, no interior das estrelas, sob pressões e temperaturas colossais, núcleos de hidrogênio se fundiram para formar núcleos de hélio.
Eles então se combinaram para formar berílio e assim por diante, até que carbono, oxigênio, ferro, silício e outros elementos pesados foram criados.
Era uma ideia brilhante, mas só funcionaria se, no interior das estrelas, o carbono existisse em um estado muito especial, que nunca havia sido observado antes.
No entanto, ele deduziu que ele tinha que existir, porque, do contrário, não haveria carbono no Universo e, sem ele, não haveria vida.
Acabou que ele estava certo: com a ajuda do físico americano William Fowler, Hoyle o encontrou.
Superado esse obstáculo, ele continuou com elementos cada vez mais pesados, forjados no interior das estrelas, até chegar ao ferro.
Mas para os ainda mais pesados, algo mais era necessário: grandes explosões estelares chamadas supernovas.
Com elas, todo esse material enriquecido foi lançado ao espaço, onde mais tarde se solidificou para formar asteroides, planetas, ar, água... e seres humanos.
Portanto, efetiva e literalmente, somos poeira estelar.
"É 100% verdade: quase todos os elementos do corpo humano foram criados em uma estrela, e muitos deles vieram de várias supernovas", confirma o cientista planetário Ashley Kin, especialista em poeira estelar.
E o Big Bang?
A nucleossíntese foi um componente essencial da teoria do Estado Estacionário: não tinha havido apenas um grande estrondo, mas inúmeros desde então e para sempre.
Mas com o tempo, a comunidade científica, incluindo Einstein, passou a reconhecer a validade da hipótese de Lemaître, a quem concedeu várias honrarias.
E, em 1964, uma descoberta importante pôs fim às teorias conflitantes.
Os astrônomos Arno Penzias e Robert Wilson detectaram o brilho de radiofrequência do céu, que ficaria conhecido como radiação cósmica de micro-ondas.
Isso significava, como o jornal americano The New York Times anunciou em sua primeira página em 21 de maio de 1965: "Sinais sugerem 'Big Bang' do Universo".
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Legenda da foto, Arno Penzias e Robert Wilson (que defendia a teoria do Estado Estacionário) reivindicaram a teoria do Big Bang e dividiram o Prêmio Nobel de Física de 1978
A batalha havia terminado, mas levou tempo para que os cientistas se sentissem confortáveis com esse nome para a teoria vencedora.
Era "um rótulo muito pouco digno para o maior e mais misterioso evento da história do Universo, o início definitivo de tudo", observa Kragh.
Embora o termo inapropriado tenha se tornado arraigado na literatura e na linguagem popular em vários idiomas, em 1993 a revista de astronomia Sky and Telescope realizou um concurso para mudá-lo.
O painel de jurados, que incluía o astrônomo Carl Sagan, analisou 13.099 sugestões de 41 países... e decidiu que nenhuma era digna de suplantar o Big Bang.
E essa não foi a única impressão de Hoyle sobre a teoria à qual ele se opunha.
Ironicamente, sua descoberta da nucleossíntese foi posteriormente incorporada à teoria do Big Bang, fortalecendo-a.
Criativo e controverso
Em 1983, Fowler recebeu o Prêmio Nobel de Física por sua pesquisa que ajudou a revelar a origem estelar dos elementos que compõem o Universo.
Ele dividiu o prêmio com outro cientista eminente... que não era Hoyle.
A decisão surpreendeu Fowler e muitos outros.
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Legenda da foto, Hoyle fez contribuições cruciais para a cosmologia, enquanto escrevia romances e escalava 280 picos na Escócia, mas também se aventurou em um território menos ortodoxo, discutindo doenças provenientes do espaço e panspermia (sua proposta de que a poeira espacial interestelar é composta em grande parte de bactérias)
Será porque Hoyle tendia a expressar suas opiniões sem reserva, ofendendo vários de seus colegas e até mesmo, em algumas ocasiões, a própria Academia Sueca de Ciências?
Quando o astrônomo Antony Hewish recebeu o Prêmio Nobel pela descoberta do primeiro pulsar em 1974, por exemplo, Hoyle questionou por que Jocelyn Bell, que o detectou, não compartilhou a honraria.
Ou será porque os Prêmios Nobel não são concedidos por um trabalho específico, mas sim como reconhecimento à reputação geral de um cientista?
Hoyle não apenas nunca se retratou a respeito de suas opiniões sobre a teoria do Big Bang, como começou a levantar a hipótese de que a vida deveria ser uma ocorrência frequente no Universo.
E que as moléculas primordiais a partir das quais a vida evoluiu na Terra haviam sido transportadas de outras partes do cosmos.
A ideia não era necessariamente absurda para a comunidade científica — na verdade, ele é considerado um pioneiro da astrobiologia.
Mas Hoyle foi mais além, argumentando que várias epidemias estavam associadas à passagem de meteoritos, cujas partículas transportavam vírus para a Terra.
Essa ideia foi descartada como fictícia, mais alinhada com o trabalho de Hoyle como escritor de 19 romances de ficção científica (assim como peças de teatro, roteiros para TV e até mesmo uma ópera).
Quando ele morreu em 2001, os obituários o descreveram como "o homem mais imaginativo de todos", um dos cientistas "mais ilustres e controversos", "mais criativos e provocadores", "mais originais e prolíficos"...
Mas hoje ele é mais lembrado como o homem que deu o nome a uma teoria que ele nunca aceitou: o Big Bang, um dos neologismos científicos mais bem-sucedidos de todos os tempos.
Legenda da foto, A cada gole que você toma, mais bactérias entram na sua garrafa d'água. É preciso limpá-la com cuidado para evitar sua proliferaçãoArticle information
Author, Jessica Brown
Role, BBC Future
5 abril 2025
Carl Behnke é especialista em segurança alimentar da Universidade Purdue em Indiana, nos Estados Unidos. Ele sempre se perguntava se a sua garrafa d'água reutilizável estava bem limpa.
Quando Behnke colocava toalhas de papel dentro da garrafa e as esfregava no seu interior, ele ficava em choque.
"As toalhas eram brancas – até que eu as retirasse", conta Behnke. "Percebi que a sensação escorregadia que eu sentia no interior da garrafa não vinha do material, mas sim do acúmulo de bactérias."
Sua etapa seguinte foi projetar um estudo. Behnke e seus colegas paravam as pessoas que passavam em um corredor da universidade e pedia a elas que emprestassem suas garrafas d'água como parte da pesquisa. Eles gostariam de verificar se elas estavam bem limpas.
"Um ponto que se destacou no projeto foi a quantidade de pessoas que não queriam saber os resultados", relembra Behnke. "Basicamente, elas sabiam que seus hábitos de limpeza eram poucos ou inexistentes – o que os dados confirmaram posteriormente."
O mercado global de garrafas de água reutilizáveis totalizou cerca de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 57,5 bilhões) em 2024.
Um estudo entre profissionais da saúde italianos indicou que a metade deles usava garrafas reutilizáveis, enquanto pesquisas entre estudantes universitários sugerem que 50 a 81% dos participantes faziam uso dos recipientes para beber.
As garrafas de água ajudam as pessoas a se manterem hidratadas, bebendo água regularmente em qualquer lugar aonde elas forem, mas também trazem riscos à saúde.
Será que devemos descartá-las ou estes riscos podem ser administrados?
O que há no seu interior?
Normalmente, é seguro beber água da torneira da cozinha. Mas ela não está livre da vida microbiana.
Por isso, deixar água na sua garrafa por alguns dias irá incentivar as bactérias a crescer, segundo a professora de microbiologia clínica Primrose Freestone, da Universidade de Leicester, no Reino Unido.
As bactérias que podem causar infecções em seres humanos se multiplicam a cerca de 37 °C, segundo Freestone – mas também à temperatura ambiente, de cerca de 20 °C.
"Quanto mais tempo a água for armazenada em uma garrafa à temperatura ambiente, mais bactérias irão crescer", explica ela.
Um estudo realizado em Singapura utilizando água da torneira fervida – o que deveria ter matado a maior parte das bactérias – concluiu que as populações bacterianas podem crescer rapidamente no interior das garrafas de água, à medida que elas são usadas ao longo do dia.
O estudo concluiu que a água no interior das garrafas usadas por adultos continha, em média, cerca de 75 mil bactérias por mililitro no meio da manhã e atingia 1-2 milhões por mililitro, em apenas 24 horas.
Crédito, Gorka Olmo
Legenda da foto, Cada gole que você toma de uma garrafa de água ou mesmo de um copo pode deixar micróbios para trás que se misturam com aqueles que já estão no líquido
As bactérias da garrafa d'água podem se multiplicar ao longo do dia, chegando à casa dos milhões.
Uma forma de reduzir o crescimento bacteriano é guardar sua garrafa no refrigerador entre um consumo e outro, segundo Freestone. Mas isso não impede totalmente a multiplicação das bactérias.
Embora parte da atividade bacteriana da garrafa d'água venha do próprio conteúdo, a maior parcela da contaminação, na verdade, é introduzida pelo usuário.
Sempre que você levar sua garrafa para o trabalho, a academia ou mesmo se a mantiver dentro de casa, o lado externo da garrafa irá carregar muitos micróbios. Freestone explica que estes micróbios são facilmente transferidos para o conteúdo da garrafa, junto com as bactérias da sua boca, toda vez que você tomar um gole de água.
Os usuários de garrafas que não lavam suas mãos regularmente também irão fazer com que seus recipientes possam abrigar bactérias como E. coli, segundo ela.
"Bactérias associadas às fezes, como E. coli, podem vir pelas nossas mãos e acabar nos seus lábios, se você não tiver boa higiene no toalete", afirma a professora.
Podemos também transmitir ou contrair vírus compartilhando garrafas d'água com outras pessoas. Doenças como norovírus podem ser facilmente transmitidas desta forma.
Geralmente, as pessoas possuem 500 a 600 espécies diferentes de bactérias vivendo na boca, segundo Freestone.
"O que não causa necessariamente doenças para você nem sempre será igual para os demais", destaca ela. "Você pode transmitir uma infecção sem perceber, pois o nosso sistema imunológico nos protege muito bem."
Outra forma de incentivar o crescimento bacteriano na sua garrafa é colocar qualquer coisa além de água doce no seu interior.
As bebidas que alimentam você também são nutritivas para os micróbios. Por isso, qualquer bebida que contenha açúcar, por exemplo, pode estimular o crescimento de bactérias ou mofo presentes na sua garrafa, prossegue Freestone.
"Qualquer coisa diferente de água é o paraíso para os fungos e bactérias, especialmente shakes de proteína", destaca ela.
Se você já tiver deixado leite em um copo por algumas horas, pode ter observado que se forma um filme fino sobre o copo quando você joga o líquido fora. Casualmente, as bactérias adoram esse filme, segundo a professora.
Como as bactérias nos afetam?
Todos nós estamos rodeados por bactérias no solo, no ar e no nosso corpo. Mas é preciso lembrar que as bactérias, em sua maioria, são inofensivas ou até benéficas.
Água contaminada com bactérias como E. coli pode causar vômitos e diarreia, mas não em todos os casos.
A maioria dos micróbios não faz mal aos seres humanos, mas pessoas com sistema imunológico debilitado podem ser mais propensas a infecções, explica Freestone.
"O nosso intestino muda todo o tempo, mas existem ali mais de 1 mil espécies presentes, prossegue a professora. "Por isso, é difícil mudar em termos de composição."
"Existem muitas variáveis, mas sofrer envenenamento alimentar devido às bactérias em uma garrafa d'água nunca irá trazer mudanças positivas."
As pessoas que tomaram recentemente antibióticos que podem afetar seu microbioma intestinal também podem sofrer mudanças que as deixam mais vulneráveis a outras infecções.
Um cotonete passado em uma garrafa d'água reutilizável que foi levado à redação de um jornal no Reino Unido também revelou que essas garrafas podem ser um campo fértil para linhagens emergentes de bactérias resistentes a antibióticos.
Os pesquisadores descobriram, na amostra da garrafa d'água, uma espécie de bactéria chamada Klebsiella grimontii. Esta espécie é capaz de formar biofilmes sobre superfícies que, antes, eram estéreis.
Ela pode ser encontrada na microflora normal do trato gastrointestinal, mas também pode causar diarreia grave em pessoas que tenham tomado antibióticos recentemente.
Mas é preciso observar que não existem, na literatura científica, exemplos de doenças graves que possam ser causadas por garrafas de água reutilizáveis. É claro que isso não significa que não aconteça, mas identificar fontes pontuais isoladas de infecções é notoriamente difícil.
Como devemos limpar as garrafas?
Para Behnke, a sensação cada vez maior de que ele talvez devesse limpar melhor sua garrafa d'água fez com que ele verificasse com mais atenção o que poderia estar dentro dela.
Behnke usava uma garrafa de água filtrada e começou a observar que a água que ele estava bebendo tinha gosto ruim.
"De vez em quando, eu lavava com água quente, mas, na verdade, nunca fazia nada além disso", ele conta.
Depois que as suas investigações com papel-toalha revelaram como sua garrafa d'água estava imunda, o estudo conduzido por ele e seus colegas começou a observar com mais detalhes os hábitos das pessoas em relação às suas garrafas.
Behnke concluiu que pouco mais da metade dos 90 participantes pesquisados durante o estudo declararam que compartilham sua garrafa com outras pessoas. E 15% responderam que nunca limpavam suas garrafas.
É claro que o fato de as pessoas lavarem ou enxaguarem suas garrafas d'água afetava o nível de contaminação. Mas Behnke concluiu que a forma ou a frequência da limpeza não causava enormes alterações do grau de contaminação dos recipientes.
As pessoas que lavavam suas garrafas com instrumentos como uma escova ou usavam a lavadora de louças costumavam apresentar os menores números de bactérias no interior do recipiente. Behnke e seus colegas também indicam que usar a lavadora de louças no ciclo intenso pode ser o método mais eficaz.
Mas as conclusões do estudo indicam que estas descobertas podem ter sofrido viés, pois os pesquisadores confiaram no relato dos próprios participantes sobre seus comportamentos de higiene. As pessoas podem ter alterado suas respostas para parecerem socialmente mais aceitáveis.
O estudo também concluiu que garrafas contendo chá, café ou suco eram mais contaminadas do que as garrafas que continham apenas água.
Crédito, Gorka Olmo
Legenda da foto, Guardar a garrafa d'água na geladeira entre um consumo e outro pode reduzir a velocidade do crescimento microbiano
Guardar a garrafa d'água na geladeira entre um consumo e outro pode reduzir a velocidade do crescimento microbiano.
Limpar nossas garrafas d'água de forma regular e adequada é a única forma de ter certeza de que não estamos consumindo bactérias nocivas junto com a água.
Mesmo se a água no interior da garrafa for estéril, Freestone destaca que a saliva do usuário irá acabar dentro do recipiente. Seus traços de nutrientes irão deixar as bactérias felizes e alimentadas.
Enxaguar a garrafa com água fria não é suficiente, segundo a professora. Você não irá ficar livre dos biofilmes – a camada escorregadia de bactérias que pode se acumular sobre a superfície interna da sua garrafa e fornece o ambiente perfeito para a multiplicação dos micróbios.
Freestone recomenda limpar as garrafas reutilizáveis com água quente (acima de 60 °C, pois esta temperatura mata a maioria dos patógenos) e detergente líquido, agitando e mantendo a garrafa em repouso por 10 minutos, antes de um bom enxágue com água quente.
É assim que você deve limpar sua garrafa depois de cada uso – ou, pelo menos, várias vezes por semana, ensina Freestone. E ela aconselha a nunca esperar a garrafa começar a cheirar mal.
"Se a sua garrafa começar a cheirar mal, você chegou a um ponto em que deve jogá-la fora", orienta a professora.
Por fim, quando você tiver uma bela garrafa limpa, Freestone relembra que você precisa lavar as mãos antes de tocar nela.
Carl Behnke, agora, é um usuário de garrafas d'água totalmente renovado. Ele lava e seca sua garrafa ao ar livre toda semana, com um spray desinfetante e uma escova de garrafas, que ele usa para limpar o bico ou os bocais e outras superfícies pequenas.
Devemos evitar algum tipo específico?
Estudos concluíram que a carga bacteriana das garrafas plásticas pode ser superior à das garrafas de aço inoxidável. Mas a estratégia de limpeza empregada costuma fazer diferença muito maior.
Para Primrose Freestone, as garrafas mais higiênicas são simplesmente aquelas que são mais fáceis de limpar. E ela destaca que é importante ter certeza de limpar cada parte da garrafa d'água, incluindo o lado externo, a tampa e o canudo, se houver.
Mas pode haver outro motivo para escolher o metal e não o plástico.
"O plástico normalmente tem aditivos químicos que oferecem vantagens – flexibilidade, durabilidade, resistência ao calor e baixo peso", afirma o professor de ciências da saúde da população Amit Abraham, da Faculdade Weill Cornell Medicine, no Catar.
"Estes aditivos são ligados fisicamente ao plástico, o que significa que eles podem migrar para a água", explica Abraham.
Aparentemente, eles também se infiltram na água, segundo Abraham, independentemente se a garrafa for feita de plástico descartável ou reutilizável.
O certo é que, seja qual for o tipo de garrafa d'água que você escolher, bons hábitos de higiene aparentemente são fundamentais para garantir que a sua água não fique repleta de bactérias nocivas.
Legenda da foto, A Ilha Sentinela do Norte é administrada pela ÍndiaArticle information
Author, Redação
Role, BBC News Mundo
Há 16 minutos
Um turista americano foi detido pelas autoridades da Índia após viajar para uma área restrita para tentar fazer contato com um povo indígena isolado.
Mykhailo Viktorovych Polyakov, de 24 anos, é acusado de navegar até a Ilha Sentinela do Norte, no Oceano Índico, para fazer contato com o grupo, filmar sua visita e até deixar uma lata de refrigerante na praia.
Em resposta ao caso, a Survival International, organização que defende os direitos dos povos indígenas, declarou que o ato colocou em risco a vida tanto do turista quanto dos sentineleses, descrevendo o caso como "profundamente perturbador".
As autoridades dos EUA informaram que estão cientes do caso e "monitorarão de perto a situação".
Crédito, Survival International
Legenda da foto, Os sentineleses são considerados o povo 'mais isolado do mundo'
Investigação em andamento
O chefe de polícia das Ilhas Andaman e Nicobar, H.G.S. Dhaliwal, disse à AFP que o turista americano compareceu a um tribunal local e ficou preso preventivamente por três dias para "mais interrogatórios".
Polyakov supostamente tocou um apito por uma hora na costa da ilha, na tentativa de atrair a atenção dos indígenas.
Ele então desembarcou por cerca de cinco minutos, deixou algumas coisas, coletou amostras e gravou um vídeo.
"Uma análise das imagens da câmera GoPro mostrou-o entrando e desembarcando na restrita Ilha Sentinela do Norte", disse Dhaliwal.
É ilegal que estrangeiros ou outros indígenas se aproximem a menos de 5 km das ilhas, uma regulamentação imposta para proteger o grupo.
Segundo a polícia, Polyakov já havia visitado a região em duas ocasiões anteriores, incluindo uma em um caiaque inflável, antes de ser detido por funcionários de um hotel próximo.
Após sua prisão no início desta semana, o homem disse à polícia que era um "caçador de emoções", informou a imprensa indiana.
A Survival International diz que os sentineleses deixaram claro por muitos anos seu desejo de evitar visitantes e enfatizou que tal contato representa uma ameaça a uma comunidade que não tem imunidade a doenças externas.
Jonathan Mazower, porta-voz da Survival International, disse à BBC temer que as redes sociais aumentem a lista de ameaças às comunidades isoladas.
Reportagens vincularam Polyakov a uma conta do YouTube que apresenta vídeos dele em uma viagem recente ao Afeganistão.
"Há um número crescente de influenciadores hoje em dia que estão tentando fazer esse tipo de coisa para ganhar seguidores", disse Mazower.
"Há um fascínio crescente nas redes sociais por isso."
Os sentineleses
Crédito, CHRISTIAN CARON/ CREATIVE COMMONS A-NC-SA
Legenda da foto, Os sentineleses são um povo de caçadores-coletores
A Survival International descreve os sentineleses como o povo "mais isolado do mundo", vivendo em uma ilha do tamanho de Manhattan, em Nova York.
Mazower disse à BBC que estima-se que o povo tenha cerca de 200 membros, mas que saber o número total é "impossível".
Poucos detalhes são conhecidos sobre o grupo, além de que é uma comunidade de caçadores-coletores que vivem em pequenos assentamentos e que são "muito saudáveis".
Ele acrescentou que o incidente com o turista americano destacou por que é tão importante para o governo indiano proteger comunidades como os sentineleses.
A Convenção das Nações Unidas sobre Povos Indígenas e Tribais estabelece a obrigação dos governos de proteger os direitos desses grupos.
As autoridades locais têm uma iniciativa focada no bem-estar do grupo, mas a Índia como um todo tem sido criticada nos últimos anos por não protegê-los de apropriações de terras.
Esta não é a primeira vez que um estranho tenta entrar em contato com os sentineleses.
Em novembro de 2018, John Allen Chau, também americano, foi morto pelos indígenas após visitar a mesma ilha.
Autoridades locais disseram que o jovem de 27 anos era um missionário cristão.
Legenda da foto, O recém-nascido encontrado em sacos de lixo teve um funeral organizado pela comunidade localArticle information
Author, Jonny Humphries
Role, BBC News
Reporting from Liverpool
Há 1 hora
"Quando ouvi falar sobre isso e vi o nome dela, pensei 'essa não é aquela mulher — essa não é a mesma mulher com a qual convivemos todos esses anos'."
Foi assim que uma moradora de uma rua sem saída em Liverpool descreveu o momento em que soube que sua vizinha por mais de 30 anos, Joanne Sharkey, havia sido acusada pelo assassinato de seu próprio filho em 1998.
Outra vizinha disse que quando a polícia chegou pela primeira vez à casa geminada "imaculada" da família em julho de 2023, ela pensou que um dos inquilinos que eles às vezes hospedavam devia estar com problemas.
Simplesmente não fazia sentido que alguém como Joanne Sharkey, uma funcionária da prefeitura considerada "gentil, engraçada e normal", pudesse ter cometido um crime.
Mas a verdade é que os investigadores finalmente resolveram um caso antigo que permaneceu sem solução por 25 anos nos arquivos da Polícia de Cheshire, condado situado no noroeste da Inglaterra.
Na sexta-feira (4/4), Sharkey recebeu uma pena de prisão de dois anos, suspensa por dois anos, depois que um juiz concluiu que sua depressão pós-parto havia prejudicado sua capacidade de julgamento tão severamente que o caso "exigia compaixão" em vez de punição.
Para Sharkey, o último quarto de século foi gasto, em suas próprias palavras, "esperando aquela batida na porta".
Em março de 1998, um homem passeando com o cachorro na área de Callands, em Warrington, Cheshire, viu algo embrulhado em dois sacos de lixo com nós.
Dentro estava o corpo de um menino recém-nascido, pesando pouco mais de 3 kg.
Sem nenhuma pista imediata de onde ele veio, a população local lhe deu o nome de Callum, em homenagem à área de Callands onde ele foi encontrado.
Crédito, Cheshire Constabulary
Legenda da foto, Joanne Sharkey disse à polícia que sentiu que não conseguiria encarar a maternidade por uma segunda vez quando matou seu filho recém-nascido
A cerca de 32 km de distância, em Croxteth, Liverpool, a mãe do menino não contou o ocorrido a ninguém — incluindo seu marido Neil Sharkey.
Sharkey não apenas escondeu o nascimento e a morte do bebê Callum, mas ninguém nunca soube que ela estava grávida.
O marido de Sharkey passaria os 25 anos seguintes alheio ao fato de ter tido um segundo filho.
Legenda da foto, A inspetora Hannah Friend diz que ela e seus colegas da polícia de Cheshire visitaram o túmulo de Callum para 'assumir o compromisso' de descobrir a verdade
Nos dias após a descoberta do corpo do bebê Callum, testes constataram que bolas de papel higiênico haviam sido inseridas em sua boca e garganta, confirmando que era improvável que tivesse sido um acidente.
Investigadores forenses encontraram sangue da mãe do bebê nos sacos de lixo e conseguiram extrair um perfil de DNA completo.
Foi elaborada uma lista de adolescentes que estavam ausentes de três escolas locais na época da morte de Callum para que seu DNA pudesse ser testado.
Várias jovens foram até presas depois que suas famílias sugeriram aos detetives que elas poderiam estar envolvidas.
Mas a investigação original estagnou e os anos passaram.
Legenda da foto, Polícia vasculha a floresta após a descoberta do bebê em 1998
Em 2016, a primeira revisão do banco de dados nacional de DNA foi solicitada, resultando em uma lista de centenas de nomes de pessoas potencialmente relacionadas.
Algumas tentativas foram feitas para reduzir a lista de suspeitos até que a detetive Hannah Friend assumiu o caso em 2021.
No início do caso, os detetives ficaram "emocionados" quando um nome chamou sua atenção. Era alguém que morava perto de onde Callum foi encontrado e com quem a equipe de investigação original conversou.
Mas a pessoa não prestou depoimento nem teve seus detalhes registrados adequadamente.
"Pensamos que talvez fosse alguém que tivéssemos deixado passar e, no final das contas, não era nada disso", diz Friend.
"Ficamos todos muito decepcionados porque pensávamos que tínhamos resolvido o caso."
Cortina de fumaça
Depois de dois anos excluindo possíveis suspeitos da lista original, a detetive tomou a decisão em 2023 de realizar uma nova pesquisa no banco de dados nacional de DNA.
Ela foi confrontada com uma nova lista de aproximadamente 500 nomes e, em suas palavras, uma nova busca por "uma agulha no palheiro".
Mas desta vez foi diferente — entre os nomes estava Matthew Sharkey.
Inicialmente, seu nome era um entre vários perfis de DNA de interesse que foram enviados a um cientista forense para uma comparação mais detalhada com o bebê Callum.
Crédito, PA Media
Legenda da foto, Joanne Sharkey não será enviada para a prisão depois que uma juíza concluiu que o caso 'exige compaixão'
Alguns meses antes de Joanne Sharkey ser presa, a detetive Friend recebeu um e-mail daquele cientista com o assunto: "Você está sentada?"
O e-mail confirmava que Matthew Sharkey era parente direto de Callum, com uma probabilidade em 36 bilhões de ele não ser.
"Conseguimos identificar uma mulher que pensávamos ser a mãe de Callum — e essa era Joanne Sharkey", lembra a detetive.
A equipe de investigação se esforçou para ter a maior certeza possível de que tinha a pessoa certa antes de seguir em frente — já que a próxima etapa foi devastadora.
"Eu não queria entrar por aquela porta e destruir a vida daquela pessoas", diz Friend.
Crédito, Cheshire Constabulary
Legenda da foto, Joanne Sharkey usava um pijama rosa com a palavra 'mãe' quando foi presa em julho de 2023
Joanne Sharkey estava sentada em um sofá com um pijama rosa com a palavra "mãe" quando a polícia entrou pela porta em 28 de julho de 2023.
Imagens de câmeras corporais usadas pelos policiais mostram ela ouvindo o policial que a prendeu, com os olhos arregalados, mas quieta e complacente.
Gesticulando em direção ao marido surpreso, ela disse ao policial que a prendeu: "Ele não sabe nada sobre isso."
Sem nenhuma evidência naquela fase sobre como Callum havia morrido ou nas mãos de quem, ambos os pais foram presos.
Posteriormente, um tribunal ouviu que, sem que soubessem, eles foram gravados enquanto estavam sentados na traseira de uma viatura da polícia a caminho da casa de custódia.
Sharkey disse ao marido: "Eu não... vou negar nada. É o que é, não é? Eu... fiz isso."
Em horas de entrevistas à polícia, Sharkey explicou como, no verão de 1998, ela engravidou pela segunda vez.
Diante de uma depressão pós-parto grave, mas não diagnosticada, após o nascimento de Matthew, ela disse que sua reação foi: "Não posso fazer isso de novo".
Ela disse à polícia que ficou "aterrorizada" ao ver a cobertura jornalística sobre o caso, enquanto pensava "fui eu".
"É assustador, algo em que você pensa todos os dias", diz ela. "Você tenta afastar os pensamentos, mas eles sempre voltam."
Crédito, Mirrorpix
Legenda da foto, A capacidade de Joanne Sharkey de formar um julgamento racional quando matou seu filho foi 'substancialmente prejudicada' por sua doença mental, considerou a juíza
Logo no início, ela não tinha certeza se estava grávida, mas não teve mais dúvidas por volta dos cinco meses.
Ela disse à polícia que as longas horas e turnos de trabalho de seu marido significavam que eles haviam se tornado dois estranhos e que não tinha sido difícil esconder sua barriga crescente usando roupas largas.
Em uma declaração marcante lida posteriormente no tribunal pelo advogado de Joanne Sharkey, o próprio Neil Sharkey descreveu como ele "não era o melhor marido e pai" e como ele "se culpava" pelo que havia acontecido.
Sharkey disse à polícia que sua memória estava cheia de espaços em branco sobre o nascimento de Callum — mas ela se lembrou de como Neil e Matthew deveriam estar fora de casa.
Ela também não conseguia se lembrar exatamente do que fez para por fim à vida dele, apenas que sentia que "precisava acalmá-lo".
Evidências médicas sugerem que Callum provavelmente foi submetido a alguma forma de asfixia mecânica.
Sharkey descreveu dirigir sem rumo até chegar ao local próximo ao parque temático Gulliver's World, onde jogou o corpo do recém-nascido.
Promessa cumprida
Mais tarde, descobriu-se que ela foi vista naquele dia por um homem aposentado que saía para passear e se lembrava de uma mulher emergindo da floresta parecendo visivelmente chateada.
A partir desse ponto, as dúvidas que ainda precisavam ser respondidas eram questões jurídicas e médicas complexas.
Joanne Sharkey foi capaz de formar um julgamento racional quando matou Callum e foi culpada de assassinato ou homicídio culposo?
Todas as evidências de psiquiatras encomendadas pela defesa e pela promotoria apontavam para um mesmo caminho: a doença mental de Sharkey significava que ela tinha uma defesa parcial com relação ao assassinato.
A inspetora Friend diz: "Minha responsabilidade como investigadora é seguir as evidências e desenvolvê-las para que possamos buscar a verdade."
"Meus sentimentos pessoais sobre [Sharkey]? Você se pergunta, por um lado, como alguém poderia fazer isso com uma criança linda, uma criança preciosa que merecia viver. Por outro lado, acho terrível estar nessa situação em que você acredita que esta é a melhor ou a única opção que você tem."
O destino de Sharkey foi decidido pelo Tribunal da Coroa de Liverpool na manhã de sexta-feira pela juíza Justice Eady, que decidiu que o exercício de condenação "exigia compaixão".
Sharkey recebeu uma sentença de dois anos de prisão, suspensa por dois anos, com a exigência de tratamento de saúde mental.
Para Friend e sua equipe, a promessa feita ao lado do túmulo de Callum em 2021 foi cumprida.
Ela acrescenta: "Assim que a sentença for concluída, voltaremos ao túmulo dele para colocar algumas flores e apenas prestar nossos respeitos e espero que ele descanse em paz."
Parte do elenco mirim da novela “Chiquititas” (2013) trocou farpas nas redes sociais nos últimos dois dias.
Tudo começou quando a atriz Júlia Gomes, 23, intérprete de Marian, disse, em entrevista, que era excluída pelos colegas de elenco na época da produção. “Eu chegava na sala e eles saiam”, contou ela. O momento viralizou nas redes sociais e chegou em algumas atrizes do elenco da trama.
Na noite de quinta-feira (3), Gabriella Saraiva, que deu vida à Tati, publicou um vídeo no TikTok rebatendo os comentários de Gomes. “É fácil se fazer de coitada e não contar o que você fazia para você não ser amada por todos”, disse ela. “Tinha coisa que não dava para relevar”, completou. Apesar disso, Saraiva comentou que não ninguém guardava mágoa pois à época das filmagens, todos eram crianças.
Amanda Furtado, que interpretou a boneca Laura disse que certa vez ouviu de Júlia Gomes que deveria ficar longe de seu celular, pois “não teria dinheiro para pagar outro.”
Já Anna Livya Padilha, intérprete de Janu, revelou que precisou ir para a terapia após Gomes a fazer passar por uma “humilhação”. “Ela me humilhou por ser ‘pobre’, porque eu estava usando uma blusa que, segundo ela, era ‘marca de pobre’. Disse que eu não sabia o que era usar roupa de marca”, relatou.
Giulia Garcia, responsável pelo papel da Ana na novela, foi aos sotires do Instagram comentar sobre o assunto. “Eu sei porque eu agia daquela maneira naquela época. Ela dava em cima do menino que minha melhor amiga era afim”, revelou. “Dói em algumas pessoas ainda e elas tem o direito de falar.”
Na tarde desta sexta-feira (4), Júlia Gomes se manifestou sobre a polêmica nos stories do Instagram. “Eu me senti à vontade de dividir esse momento da minha vida, que foi difícil. Naquela época éramos crianças e agíamos na impulsividade. Cada um carrega suas próprias dores e perspectivas. Toda história tem dois lados. Hoje o importante é que todos nós amadurecemos, somos adultos vivendo suas questões. Aprendi muito com essa experiência e sigo evoluindo.”
Confira os relatos do elenco de “Chiquititas” que levantaram polêmica nas redes sociais
Júlia Gomes revelou que se sentia excluída pelo elenco de “Chiquititas”:
“Me excluíam do elenco. Hoje é uma coisa que não tô nem aí, mas na época era muito forte para mim. (…) Quando eu entrava, era um silêncio. Aí eu saía da sala, todo mundo se divertindo.” pic.twitter.com/AzlxmtOBPC
O chefe do Estado-Maior do Exército, general Richard Nunes, disse que os “recursos alocados [na Força] estão muito aquém do necessário”. A declaração foi dada nesta quinta-feira (3), durante cerimônia de promoção de seis novos oficiais generais.
“Temos de estar devidamente preparados, mas os recursos alocados estão muito aquém do necessário, o que nos impõe racionalização e criatividade”, afirmou Nunes.
A ponderação ocorre num momento em que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, corre para aprovar a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Previsibilidade, que assegura no orçamento anual o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) para a Defesa Nacional.
Depois de um ano e meio parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na quarta-feira (2), a proposta foi distribuída a um relator. O escolhido foi o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso.
O texto é de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ) e prevê uma regra de transição em que a União partirá dos atuais 1,2% do PIB até chegar a 2% em oito anos — meta estabelecida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Múcio considera a PEC fundamental para garantir investimentos que ultrapassem governos. A previsibilidade de gastos significaria garantir, por exemplo, recursos para pesquisas e projetos estratégicos, como o submarino nuclear e o míssil tático de cruzeiro.
Uma realidade que está longe da atual. As despesas discricionárias do Exército embutidas no Novo PAC devem chegar a R$ 1,43 bilhão, 36% abaixo do R$ 1,95 bilhão necessário à Força Terrestre. O mesmo vale para as demais despesas discricionárias: dos R$ 3,9 bilhões necessários, o Congresso destinou R$ 2,2 bilhões.
Na Marinha, a situação não foge desse contexto. Embora o Novo PAC preveja R$ 3,67 bilhões para os novos navios patrulha, os recursos dependem da estabilidade fiscal.
O submarino nuclear enfrenta cortes e a construção das novas fragatas requer previsibilidade de recursos de R$ 3 bilhões até 2030, para evitar a interrupção.
A cantora Patti LaBelle, 80, que gosta muito de seus potes da Tupperware e adora cozinhar (e vende sua própria linha de “Patti Pies”), compartilhou uma história interessante no programa de talk show diurno de Sherri Shepherd.
LaBelle explicou que antes de Elton John ser famoso e quando ainda usava seu nome de nascimento, Reginald Dwight, ele tocava piano para ela com sua banda Bluesology quando ela se apresentava no Reino Unido. Segundo LaBelle, eles também se divertiam fora do palco.
“Jogávamos muito cartas, querida. Eu pegava todas as libras deles”, brincou. “Todo o dinheiro deles. Eu tinha que alimentá-los porque eles não tinham libras. Sem dinheiro para comer, entende?”
LaBelle disse que frequentemente os recebia em seu “flat” (equivalente britânico a apartamento) junto com suas companheiras de banda Nona Hendryx, Sarah Dash e Cindy Birdsong. Ela cozinhava para todos, recordou LaBelle, e mandava as sobras para casa em seus potes Tupperware.
“Meus potes Tupperware são muito importantes para mim. Eu não os empresto… e nem minhas sacolas de compras”, disse LaBelle. “Então, dei comida para eles levarem para casa, e eles nunca me devolveram os potes.”
Ela disse que já mencionou a falta de devolução dos Tupperware para Elton John em algumas ocasiões, dizendo a ele: “Eu quero meus benditos Tupperware”.
“E aí, ele me liga cerca de dois anos depois”, ela contou. “Ele disse: ‘Patti, por favor, venha ao meu show hoje à noite’. Então eu perguntei: ‘Para quem você está abrindo o show?’ Ele respondeu: ‘Agora eu sou Elton John‘. Eu disse: ‘Não é que é mesmo?’ Ele fez sucesso antes de mim, não é?”
LaBelle colaborou com John em seu álbum de 2005, “Classic Moments”. Eles também se apresentaram juntos em Las Vegas, onde o assunto dos Tupperware surgiu novamente, ela contou a Shepherd.
“Ele tirou seus anéis e os colocou sobre o piano”, lembrou LaBelle. “Quando terminamos, eu disse: “Elton, aqui estão seus anéis.” Ele respondeu: ‘Esse é seu Tupperware’.”
Ela disse que ainda tem o anel “lindo”, que ela guarda com carinho.
Legenda da foto, Crianças em escola municipal de Nova Iguaçu (RJ), onde professora relata que seus alunos passam malArticle information
Author, Sérgio Vieira
Role, De Santos (SP) para a BBC News Brasil
Há 52 minutos
O verão deste ano foi marcado por sentimentos conflitantes para a menina Maria Lavinia Santos Costa, de 4 anos.
Moradora de Praia Grande, cidade no litoral de São Paulo, ela adora frequentar a praia, sempre na sua companhia de sua mãe, a técnica de enfermagem Luana Costa.
Na escola, no entanto, o calor não dá trégua.
Na sala dela e em todas as outras das 78 unidades escolares municipais de Praia Grande, não há ar-condicionado.
Mesmo já no outono, Maria Lavinia e todos os 56 mil alunos da rede municipal devem continuar sentindo o desconforto das altas temperaturas que, segundo as previsões, devem continuar no Sudeste e Centro-Oeste.
Na sala da menina, que estuda no turno da tarde na Escola Municipal Oswaldo Justo, há apenas dois ventiladores.
"Ela chega exausta e, em alguns dias, com brotoeja. Ela já me pediu para não ir à escola", conta a mãe, que relata desconforto quando ela própria participou de uma reunião de pais no local onde a filha estuda.
"Saí de lá passando mal. Foram 40 minutos de terror ali."
Em fevereiro, Luana criou um abaixo-assinado virtual cobrando da administração municipal a instalação dos aparelhos. Até agora, já conseguiu mais de 18 mil assinaturas.
No dia 17 daquele mês, a sensação térmica na Baixada Santista chegou a 50 ºC, segundo o site de meteorologia Climatempo.
A Prefeitura de Praia Grande admite o problema e diz que, em janeiro, foi determinada a elaboração de um estudo de viabilidade técnica e financeira para a climatização das salas de aula — mas não apontou prazo para isso.
A administração municipal destacou também que todas as escolas contam com ventiladores e bebedouros com água gelada.
Mas o problema vai muito além de Praia Grande: apenas 34% das salas de aula em escolas públicas brasileiras (municipais, estaduais e federais) e 47% das salas em escolas particulares têm climatização, segundo um estudo do Centro de Inovação para a Excelência das Políticas Públicas (CIEPP).
A pesquisa se baseia em dados de 2023 do Censo Escolar.
A climatização inclui ar-condicionado, aquecedor ou climatizador.
E o estado de São Paulo, o mais populoso e rico do país, é o que aparece com o menor percentual de climatização em sua rede: 2,7% das salas nas escolas estaduais paulistas tinham climatização naquele ano.
Considerando apenas as escolas municipais paulistas, o percentual foi de 12,1% — o segundo menor no país, atrás apenas de Minas Gerais (9,9%).
Para o advogado Ariel de Castro Alves, ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, essa omissão do poder público viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
"O estatuto garante que nenhuma criança seja objeto de violação à integração física e psicológica. E isso está sendo ferido, com a exposição ao calor excessivo", diz Alves, que também presidiu o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
"O próprio direito à educação é desrespeitado."
Ainda segundo ele, governadores, prefeitos e secretários de Educação — municipais e estaduais — podem ser responsabilizados por isso.
"As famílias precisam denunciar esses agentes no Ministério Público e nos conselhos tutelares", aponta o advogado.
A educação infantil costuma ser responsabilidade dos municípios; o fundamental, tanto de municípios quanto de estados (embora as prefeituras detenham a maioria das unidades); e o ensino médio, dos estados.
Existem também escolas federais, mas elas são minoritárias, como colégios militares e centros federais de educação tecnológica (Cefet).
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Legenda da foto, Governos locais destacam que não basta comprar aparelhos de ar-condicionado: é preciso adaptar a rede elétrica das escolas e obter serviço de concessionárias de energia
O Ministério da Educação (MEC) afirmou em nota que dá assistência técnica e financeira para que os municípios e estados implementem ventiladores e aparelhos de ar-condicionado nas escolas.
Governos locais interessados nisso devem cadastrar sua demanda no Plano de Ações Articuladas (PAR) — uma vez aprovadas, as solicitações são financiadas por emendas parlamentares ou pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado ao MEC.
"A atual gestão tem buscado retomar as atas de registro de preços do FNDE que oferecem ganhos de escala, produtos padronizados e de qualidade aos entes federados, que ficam desobrigados a realizar processos licitatórios próprios", afirmou o ministério à BBC News Brasil.
Já o governo estadual de São Paulo, cuja rede teve o menor percentual na pesquisa do CIEPP, afirmou ter como meta atingir a climatização de 60% das unidades até o início do ano letivo de 2027.
A Secretaria de Educação do estado destacou que, para tal, é preciso adaptar a infraestrutura elétrica das escolas, instalar os aparelhos e fazer com que as concessionárias façam a ligação da energia.
"Já foram investidos aproximadamente R$ 350 milhões apenas na primeira etapa do programa de climatização das escolas, que abrange 1.056 unidades escolares. Até o início de 2026, mais mil escolas estarão contempladas com o sistema de climatização", afirmou o governo paulista, acrescentando que vem priorizando a instalação nas regiões mais quentes do estado.
Calor mesmo no outono
Segundo registros da Climatempo, somente em 2025 o Brasil já enfrentou cinco ondas de calor.
Para configurar uma onda de calor, a temperatura deve ficar pelo menos 5 ºC acima da média para uma região por um período de cinco dias ou mais. Em 2024, foram registradas nove ondas de calor.
Fevereiro deste ano foi marcado pelo forte calor no Sul e Sudeste e período de chuvas acima da média no Norte e Nordeste.
As três capitais que registraram temperaturas mais altas foram Rio de Janeiro (41,3 ºC), Porto Alegre (39,8 ºC) e Florianópolis (37,5 ºC).
"O desconforto térmico vai permanecer. É claro que não teremos índices como o de fevereiro, mas a população de boa parte do Sudeste e Centro-Oeste não deve contar com um outono fresco em abril", diz Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo.
Norte e Nordeste, no geral, já enfrentam altas temperaturas praticamente o ano todo — e com isso, não são impactados pelos sistemas de alta pressão atmosférica que geram as ondas de calor nas outras regiões, acrescenta Pegorim.
Segundo a especialista, o calor só não será ainda mais forte em abril em parte do país porque, entre os dias mais quentes, haverá curtos períodos de frente fria, o que vai amenizar o calor.
"Elas [as frentes frias] vão interromper um pouco a alta da temperatura, mas não vão durar mais do que dois dias."
A meteorologista aponta também que, a partir de setembro, as regiões Sul, Sudeste Centro-Oeste devem voltar a sofrer ondas de calor.
Problemas para a saúde dos alunos
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Legenda da foto, Calor pode trazer alergias e problemas respiratórios às crianças
Em Nova Iguaçu (RJ), o cenário também foi desolador no verão.
Das 151 escolas municipais da cidade da Baixada Fluminense, 82 estão climatizadas.
Uma das unidades que não tem climatização é o Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) 187 Benedito Laranjeiras, onde a professora Gláucia de Souza Dias dá aulas e onde seu filho, Yann Carlos Dias Monteiro, de 13 anos, estuda.
"É estranho porque, até 2018, quando era uma escola estadual, tinha ar-condicionado. Quando foi municipalizado, os aparelhos foram retirados. E as crianças sofrem com o enorme calor", diz Gláucia.
Segundo ela, só há refrigeração na diretoria e na sala dos professores, o que causa uma situação constrangedora.
"Eu fico envergonhada, porque os alunos batem lá para falar com a gente e sentem o ar geladinho. Eles ficam muito chateados. Isso não é justo", afirma a professora.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, essa diferença no tratamento fere o ECA, cujo artigo 4 diz que crianças e adolescentes possuem prioridade absoluta na preservação de seus direitos em qualquer tipo de atendimento público.
"No lugar de instalar ar-condicionado nas diretorias, a prioridade é garantir que esses alunos não sejam expostos a intenso sofrimento físico, ocasionado por essas ondas de calor e falta de condições ideias nas salas de aula", argumenta Alves.
A professora Gláucia percebe esse sofrimento físico em seu filho, cuja turma tem cerca de 40 estudantes.
"Ele reclama muito e com frequência diz que não quer ir. Sei que é verdade porque muitos alunos meus passam mal", relata Dias.
A Prefeitura de Nova Iguaçu afirma que há 61 escolas com aparelhos instalados, mas ainda não funcionando porque aguardam o aumento da carga elétrica pela concessionária — sem dizer quando isso irá acontecer.
A administração municipal também afirmou que o Ciep 187 Benedito Laranjeiras receberá climatização até o fim de abril.
No estado do Rio, 72,9% das salas em escolas estaduais e 46,7% nas municipais são climatizadas, de acordo com o levantamento do CIEPP.
Deixar uma criança em ambiente fechado por pelo menos quatro horas, com outros alunos e sem refrigeração adequada pode gerar problemas de saúde, principalmente no sistema respiratório, segundo a médica Vera Rullo.
"Quando há aumento excessivo de temperatura, há mais partículas que ficam no ambiente. Isso entra pelas vias aéreas e causa uma série de problemas na função pulmonar", diz Rullo, presidente do departamento de alergia e imunologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Isso aumenta a procura por atendimento médico para crises asmáticas.
Segundo a profissional, que trabalha em uma unidade pública de saúde na cidade de Santos (SP), houve um acréscimo de 20% neste ano no volume de crianças com problemas respiratórios no local onde ela atende, decorrentes do calor dentro da sala de aula.
A médica também afirma que o calor nas escolas acarreta mais problemas de pele, como alergias e irritações.
Ela recomenda que, se possível, o aluno aumente o consumo de água e faça hidratação nasal com soro fisiológico.
Além da saúde, o aprendizado é duramente atingido pela falta de um ambiente adequado. Um estudo realizado pela Universidade de Harvard mostra que, em Nova York, as perdas de aprendizado aumentaram em até 50% em dias letivos com temperaturas acima de 38 graus.
Além do ar-condicionado
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Legenda da foto, Especialista defende ventilação natural e arborização para conter o calor nas escolas
No Brasil, um estudo do Instituto Alana, em parceria com o projeto MapBiomas, dá um passo além e traça caminhos para amenizar o sofrimento da comunidade escolar com o calor.
Segundo o levantamento, divulgado no fim do ano passado, cerca de um terço das escolas (públicas e privadas) das capitais do país não possuem áreas verdes em seus terrenos.
Na prática, isso gera ilhas de calor, com temperaturas nas salas de aula 3,57 ºC acima da temperatura média da cidade. Normalmente, isso coincide com regiões mais periféricas.
Maria Isabel Barros, especialista em infâncias e natureza do Instituto Alana, afirma que a infraestrutura das escolas "não foi pensada para essa emergência climática".
"O impacto dessas mudanças climáticas na educação e esses eventos têm se tornado mais frequentes e mais graves. Todos sofremos, e as escolas não são exceção. Justamente porque não estamos preparados", afirma a especialista.
"As famílias dependem das escolas, porque os pais precisam trabalhar. A gente não pode normalizar que o impacto [do calor] poderia resultar em suspensão de aulas, por exemplo."
Barros defende que as escolas tenham mais arborização e ventilação natural.
"A primeira medida que a gente pensa, quando se fala em adaptação, é a climatização. Mas não deve ser a única. É preciso pensar em longo prazo, em algo que não dependa da matriz energética", argumenta Barros.