Brasil pode perder R$ 1,5 bilhão por mês com crise da gripe aviária

O Brasil pode deixar de exportar cerca de R$ 1,5 bilhão por mês em exportações de carne de frango com a suspensão da importação do produto para nove importantes parceiros comerciais após a detecção do vírus da gripe aviária (H5N1) em uma granja comercial, na última sexta-feira (16).
O valor corresponde a uma média mensal das compras feitas ao longo de 2024 por Argentina, Chile, Coreia do Sul, México e Uruguai, que interromperam temporariamente as importações, e por África do Sul, Canadá, China, União Europeia, destinos para onde o Brasil parou de certificar exportações seguindo acordos sanitários estabelecidos entre as partes.
Japão, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Filipinas embargaram a compra de frango produzido em Montenegro (RS), onde foi detectado o vírus. Esses países, no entanto, ainda continuam a importar o produto de outras localidades do país.
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Caso a lista de compradores com bloqueio à proteína brasileira aumente, o prejuízo pode ser ainda maior.
No ano passado, o Brasil exportou US$ 9,74 bilhões (R$ 55,32 bilhões) em carne de frango e derivados, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) – média de US$ 811,81 milhões (R$ 4,6 bilhões) por mês.
Desse total, US$ 3,26 bilhões (R$ 18,52 bilhões) foram destinados aos países que no momento estão com as compras de frango brasileiro suspensas, cerca de um terço (33,5%) de todas as exportações do setor avícola. Em média, esses mercados importaram US$ 272,11 milhões (R$ 1,54 bilhão) por mês.
A China, principal parceiro comercial do Brasil, sozinha, respondeu por 13,2% do valor das exportações de carne de frango brasileira no ano passado. Dentre os mercados que estão com as compras interrompidas, o segundo principal destino foi a União Europeia (6,7%), seguida por México (5,5%), Coreia do Sul (3%), Chile (2,52%), África do Sul (1,9%), Canadá (0,4%), Uruguai (0,2%) e Argentina (0,1%).
O Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo, à frente dos Estados Unidos e de toda a União Europeia, de acordo com o departamento de agricultura americano (USDA, na sigla em inglês). No ano passado, o volume total exportado pelo Brasil foi de 5,3 mil toneladas.
Em termos de produção, o país fica em terceiro lugar, atrás de Estados Unidos e China. No ano passado, a avicultura brasileira respondeu por 14,5% de toda a produção mundial, com 14,97 milhões de toneladas.
Último dos grandes produtores a detectar um caso de gripe aviária em granja comercial, até agora o Brasil podia se valer dessa vantagem na hora de vender seu produto a mercados internacionais.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) pretendia utilizar o status sanitário brasileiro, livre de influenza aviária na produção comercial, como um dos diferenciais do produto nacional na Shanghai New International Expo Center (Sial), uma das maiores feiras de alimentos e bebidas do mundo, que ocorre em Xangai, na China, na semana que vem.
Em fevereiro, o presidente da entidade, Ricardo Santin, afirmou que as projeções para exportação de carne de frango brasileira em 2025 provavelmente seriam revisadas para cima, diante dos inúmeros surtos de influenza aviária em países concorrentes e também em nações importadoras.
Preço do frango pode cair no curto prazo no Brasil
Com a queda das exportações no curto prazo, há uma perspectiva de redução no preço da carne de frango no mercado interno, uma vez que a produção antes destinada ao mercado externo deve ser redirecionada para o consumo doméstico.
“O destino dessa produção é o mercado interno, e aí haveria um aumento de oferta meio rápido, com tendência de abaixar preços enquanto isso durar”, diz Cesar de Castro Alves, gerente de consultoria agro do Itaú BBA.
As quedas, no entanto, devem ser brandas, na avaliação de Luiz Henrique Melo, analista de mercado de aves do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
“Se em 28 dias não tiver mais nenhum foco, Brasil pode voltar ao status de livre da gripe aviária. Durante esse tempo, a gente não deve ver quedas abruptas”, afirma. “As filiais vão se ajeitando, vai se exportando para outros países que não embargaram, vão fazer controle de estoque. As indústrias vão se organizando”, explica.
“Supondo que esse embargo se estenda, aí podemos ver uma eventual sobre oferta no mercado interno e consequentemente uma queda nos preços da carne de frango, que pode impactar também na carne bovina e suína, que são proteínas concorrentes.”
Esse excesso de produção, no entanto, seria temporário, porque a indústria do frango, por ser integrada e com ciclo de produção relativamente curto, em torno de 40 dias, rapidamente ajustaria a oferta, de modo a normalizar as margens de preço.
Para Alves, do Itaú BBA, ainda que em um cenário em que a situação brasileira se agrave, com novos casos detectados, é provável que países que embargaram a compra do produto de todo território nacional flexibilizem as restrições, regionalizando o bloqueio comercial.
“Não vai ter muito lugar no mundo com 5 milhões de toneladas de frango para exportar. O preço do frango explodiria no mundo se houvesse um embargo geral à carne brasileira por muito tempo”, diz.
Ministro acredita que fluxo deve ser retomado antes de 60 dias
Com o surto de influenza aviária na cidade gaúcha, o governo federal decretou estado de emergência zoossanitária em todo o país por 60 dias. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, disse acreditar, no entanto, que o Brasil possa voltar a ser considerado livre da doença em 28 dias, retomando o fluxo comercial.
O prazo se refere ao estabelecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) para o encerramento do foco, considerando que nenhum outro caso seja detectado no país.
Na sexta-feira (16), a ABPA declarou confiar na expertise do Brasil na condução de tratativas para derrubar os embargos e acreditar em um rápido restabelecimento das exportações para países que suspenderam a compra do produto brasileiro.
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também disse ter “plena confiança” no ministro Carlos Fávaro para o gerenciamento do problema.
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Brasil investiga outros dois casos suspeitos em granjas comerciais
No momento, o Ministério da Agricultura (Mapa) investiga outros seis casos suspeitos, sendo dois em granjas comerciais, nos municípios de Ipumirim (SC) e Aguiarnópolis (TO).
Em relação ao segundo caso, a Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins (Adapec-TO) informou, no domingo (18), que um laudo preliminar descartou a presença do vírus da gripe aviária de alta patogenicidade (IAAP), mas detectou a presença de influenza A de baixa patogenicidade.
O Brasil já registra ocorrências da influenza aviária desde 2023, mas até a confirmação do caso de Montenegro, todos os casos haviam acometido aves silvestres ou de subsistência, o que não interferia nas certificações sanitárias para exportação da carne de frango.
Desde 2022, já foram realizadas em todo o país 3.943 investigações de suspeita de síndrome respiratória e nervosa de aves, um dos sintomas do IAAP. Dessas investigações, 1.082 casos foram considerados prováveis e levaram a coleta de amostras para diagnóstico laboratorial.
Até a sexta-feira, dos 168 focos confirmados da doença, 164 haviam sido identificados em aves silvestres e três em aves de subsistência.
17 mil aves foram abatidas em Montenegro devido à gripe aviária
Com a confirmação do vírus H5N1 na granja comercial de Montenegro, 17 mil aves de dois aviários do estabelecimento foram mortas, e foram montadas barreiras sanitárias para contenção e desinfecção.
Até o domingo, 29 propriedades de subsistência em um raio de 3 km do local onde o vírus foi encontrado foram fiscalizados por equipes do Serviço Veterinário Oficial (SVO), o que corresponde a 97% das existentes na área.
No raio de 10 km do local, foram 271 propriedades de subsistência (53% do total) e uma granja de recria de aves, a única na área.
No domingo, o Mapa confirmou que as mortes de 38 cisnes e patos do Parque Zoológico de Sapucaia do Sul (RS), a cerca de 50 km de Montenegro, também foram causadas pela IAAP.
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) do Rio Grande do Sul já havia fechado o local para visitação desde o registro da morte dos animais na última terça-feira (13) e manterá o local interditado por tempo indeterminado.
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Região Sul concentra 78% das exportações de frango do Brasil
A região Sul do Brasil concentra a maior parte da atividade avícola do país. Segundo dados da ABPA, em 2024, os três estados da região foram responsáveis por 64,9% dos abates de frango do país e 78,2% do volume total exportado pelo setor.
O Porto de Paranaguá (PR) foi o principal responsável pelas remessas, enviando 44,78% da carne de frango brasileira exportada. Na sequência, vieram os portos de São Francisco do Sul (SC), com 18,13%, e de Itajaí (SC), com 12,57%. O Porto de Rio Grande (RS) respondeu por 6,63%.
No Brasil predomina no setor o sistema de integração agroindustrial, no qual grandes frigoríficos fornecem animais, ração e medicamentos, ao passo que os produtores – em sua maioria, donos de pequenas ou médias propriedades – criam as aves dentro de padrões.
Segundo a APBA, a avicultura e a suinocultura empregam 4 milhões de pessoas direta ou indiretamente. Apenas na indústria frigorífica, são mais de 300 mil postos de trabalho. O consumo de carne de frango, no ano passado, chegou a 45,5 kg per capita no Brasil.