Crise do INSS vira embate entre ministros com Lula fora do Brasil

Fora do Brasil desde a semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou para que ministros do governo buscassem alternativas para minimizar o escândalo sobre os descontos irregulares de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A estratégia, no entanto, virou alvo de disputas dentro do Palácio do Planalto e os embates devem se arrastar até o retorno do petista na próxima quarta-feira (14).
Por outro lado, Lula aproveitou a ausência para tentar responsabilizar o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelas irregularidades nos descontos dos aposentados. A primeira manifestação pública do petista sobre o caso ocorreu apenas no sábado (10), durante o encerramento de sua visita à Rússia. Na sequência, o presidente embarcou para a China, onde segue até esta terça-feira (13).
“Nós desmontamos uma quadrilha que foi criada em 2019. E vocês sabem quem governava o Brasil em 2019. Vocês sabem quem era o ministro da Previdência, quem era o chefe da Casa Civil. A gente poderia ter feito um show de pirotecnia, mas não queríamos manchete. Queríamos apurar”, disse Lula sem citar Bolsonaro.
Segundo a Polícia Federal (PF), as fraudes, que ocorreram entre 2019 e 2024, podem ter atingido seis milhões de aposentados e provocado desvios de até R$ 6,5 bilhões. O governo já mencionou número ainda maior: nove milhões de vítimas. As investigações apontaram que havia abatimentos nas aposentadorias e pensões do INSS como se os beneficiários tivessem se tornado membros de associações de aposentados, quando, na verdade, não haviam se associado nem autorizado os descontos.
Ainda de acordo com a PF, o dinheiro repassado às associações suspeitas passou de R$ 706 milhões ao fim do governo Bolsonaro em 2022 para R$ 1,2 bilhão em 2023, primeiro ano da gestão de Lula, e R$ 2,8 bilhões em 2024.
“Nós vamos a fundo para saber quem é quem nesse jogo. E se tinha alguém do governo passado envolvido nisso. É isso que nós vamos fazer. Eu não tenho pressa. O que eu quero é que a gente consiga apurar para apresentar ao povo brasileiro a verdade e somente a verdade”, disse o petista.
Além de Lula, outros integrantes do PT buscam atribuir ao governo Bolsonaro a responsabilidade pelas fraudes no INSS. Apesar disso, assessores do Planalto ouvidos pela reportagem admitem que a estratégia pode acabar servindo de “munição” para os integrantes da oposição, caso as investigações apontem o envolvimento direto de algum integrante do governo petista.
O escândalo já resultou na demissão de Carlos Stefanutto, que presidia o INSS, e na de Carlos Lupi, que era o Ministério da Previdência. Além disso, a investigação chegou a apontar fraudes nos descontos realizados pelo Sindicato Nacional dos Pensionistas e Idosos (Sindinapi), entidade que tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula.
“Tem entidades sérias no meio que certamente não cometeram nenhum crime, e tem entidades que foram criadas para cometer crime”, disse o petista sem citar o sindicato ligado ao irmão dele.
Ministros divergem sobre estratégia na condução da crise do INSS
Com a ausência de Lula, as discussões sobre as estratégias para minimizar os efeitos da crise virou alvo de embates dentro do Palácio do Planalto. A escalada aconteceu depois que o ministro da Casa Civil, Rui Costa, criticou a atuação da Controladoria-Geral da União (CGU) durante entrevista ao jornal O Globo.
O chefe da Casa Civil reclamou que a cúpula do governo não foi alertada pela CGU sobre a dimensão das fraudes no INSS. “A CGU faz, em média, 500 a 600 auditorias por ano. Todas geram recomendações aos órgãos, responsáveis pela gestão daqueles órgãos de governo. Temos ao longo desse ano, se não me falha a memória, quase quatro mil recomendações feitas aos mais de 4 mil órgãos que a CGU tem a responsabilidade de auditar. […] Tudo isso é atividade de prevenção”, disse ao jornal.
A declaração desagradou tanto ao ministro Vinícius Carvalho, chefe do órgão responsável pela auditoria nos descontos indevidos dos aposentados, como ao ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação (Secom). Assessores do Planalto ouvidos pela reportagem admitem que Rui Costa provocou o “fogo amigo” e que, desde início, a Casa Civil vinha minimizando os efeitos das investigações para o governo.
A mudança de postura só ocorreu após o presidente Lula ser convencido por outras alas do governo sobre a dimensão do caso. Desde então, Woney Queiroz, novo ministro da Previdência, e Waller Júnior, indicado para presidir o INSS, passaram a despachar diretamente do Palácio do Planalto.
Em evento no Palácio do Planalto na quinta-feira (8), o ministro da CGU foi questionado sobre a declaração de Rui Costa. Carvalho explicou que a parceria entre PF e CGU ocorre com frequência, que já são 70 operações especiais entre os órgãos em 2024 e 2025. Ele também disse que a agenda de repressão não é contraditória com a agenda de prevenção.
“Muitas vezes a atividade de prevenção vira repressão porque identifica o problema e tem de atuar. Tinha um crime sendo cometido contra os aposentados brasileiros. Nada mais natural que, nessas horas, a CGU atue com a Polícia Federal nesse contexto. Isso que tem de ser feito. Assim essa operação seguiu”, afirmou Carvalho.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, saiu em defesa de seu colega de Esplanada e destacou o trabalho da CGU. Para aliados do ministro, a fala fez parte do movimento do Planalto para baixar a temperatura da crise.
“Preciso fazer um registro muito especial ao trabalho que foi desenvolvido inicialmente pelos servidores da Controladoria-Geral da União, sob a liderança do ministro Vinícius Carvalho, que, a partir de denúncias da imprensa, adotou em 2023 todas as providências necessárias para uma apuração rigorosa, dedicada e minuciosa de uma organização criminosa que foi instalada no seio do Estado”, disse Messias.
Oposição protocola no Senado pedido de CPMI do INSS
Os descontos irregulares do INSS levaram a oposição a protolocar no Senado o pedido de uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI). A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) apresentou segunda-feira (12) o requerimento para a abertura de uma CPMI para apurar a responsabilidade pela fraude bilionária.
O pedido conta com as assinaturas de 223 deputados federais e 34 senadores. No caso de CPMI, são necessárias as assinaturas de 171 deputados e 27 senadores.
Damares afirmou que uma comitiva de parlamentares levará o pedido pessoalmente ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), na semana que vem. Alcolumbre está em viagem à China junto com o presidente Lula (PT).
Na Câmara, deputados da oposição já protocolaram um pedido de CPI para apurar os desvios no INSS, mas o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), indicou que respeitará a fila – que já tem 12 comissões de inquérito. Esse posicionamento praticamente inviabiliza a instauração da CPI do INSS neste momento na Casa.
Vídeo de Nikolas Ferreira vira “dor de cabeça” para o governo Lula
Ainda na gestão da crise do INSS, integrantes do PT admitem que o vídeo gravado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) foi o “intensificador da dor de cabeça” para o governo. Na gravação, que já conta com cerca de 130 milhões de visualizações no Instagram, o parlamentar trata o caso como “o maior escândalo de corrupção da história do país”.
A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, chegou a se reunir de forma emergencial com sua equipe e demais integrantes do Planalto para tentar rebater os argumentos do deputado da oposição. Na ocasião, foi feito um apelo aos deputados para que produzissem em suas respectivas redes vídeos rebatendo Nikolas Ferreira.
No final, o parlamentar do PL defendeu a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os roubos aos aposentados. Ele solicitou também que a população enviasse mensagens ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), pelas redes sociais para pressioná-los a instaurar a comissão.
Em um vídeo publicado após o encontro com a ministra, o chefe da AGU, Jorge Messias, referiu-se a Nikolas Ferreira como “deputado lacrador”, e cobrou que ele e Bolsonaro expliquem as providências adotadas no governo anterior em relação às denúncias de fraude. “Vi que um deputado fez um vídeo ontem com o objetivo de lacrar e causar terror e pânico na população. É importante que ele questione ao presidente que ele apoiou”, afirmou Messias.
Em outra gravação, o deputado Lindbergh Farias (RJ), líder do PT na Câmara, também rebateu os argumentos de Nikolas Ferreira e citou diretamente o então ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário de Previdência, Rogério Marinho, além de Onyx Lorenzoni, como responsáveis por não terem agido diante dos alertas das fraudes no INSS. A gravação, no entanto, atingiu pouco mais de 150 mil visualizações.