18 de junho de 2025

como a guerra afeta a produção agrícola brasileira

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Para além das consequências geopolíticas, a guerra entre Israel e Irã, que entrou em seu quinto dia nesta terça-feira (17), tem gerado forte repercussão nos mercados internacionais, acendendo um alerta para o agronegócio brasileiro. A continuidade por longo prazo ou uma possível escalada dos ataques deve ter como consequência direta o aumento nos custos de produção da agricultura nacional. 

Uma das maiores preocupações é com relação ao mercado de ureia, principal fertilizante à base de nitrogênio utilizado na agricultura e do qual o Irã é um dos mais importantes fornecedores globais. 

No ano passado, 19% de todo o composto importado pelo Brasil teve origem iraniana, o equivalente a 1,6 milhão de toneladas das 8,3 milhões de toneladas compradas pelo Brasil no exterior, segundo a empresa de consultoria Argus. 

“Esse aspecto é particularmente sensível porque estamos em um período em que nem todos os insumos da safra 2025/26 foram adquiridos”, diz o economista Felippe Serigati, coordenador do Mestrado Profissional em Agronegócio do FGVAgro. “Dependendo da situação é bastante razoável que o pessoal antecipe as compras dos fertilizantes que vão ser utilizados na safrinha de 2026.” 

Além de chegar mais cara, diz o economista, é possível haver uma dificuldade de haver abastecimento total de ureia para todo o país. 

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Renata Cardarelli, especialista em agricultura e fertilizantes da Argus, explica que as incertezas com relação à disponibilidade global do nitrogenado e a potencial restrição na oferta já fizeram muitos participantes se retirarem do mercado físico.

Na última quinta-feira (12), o preço médio de ureia granulada importada pelo Brasil estava em US$ 398 por tonelada (incluindo frete). O mercado estava com baixa liquidez porque aguardava os desdobramentos de um leilão da Índia para compra do produto. 

Na sexta-feira (13), com as tensões entre Israel e Irã, o leilão acabou em segundo plano, e o preço médio subiu para US$ 430 por tonelada. Na segunda (16), o ponto médio da faixa diária da Argus ficou em US$ 435, acompanhando a alta registrada no mercado de papel e com participantes ausentes do mercado físico. 

A alta acumulada desde o início do conflito é de 9,3%. 

O Oriente Médio é o principal exportador global de ureia, embarcando cerca de 20 milhões de toneladas por ano, com o Irã representando 25% desse total. A produção total do nitrogenado no Irã é estimada em cerca de 9 milhões de toneladas por ano.

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Brasil importa cloreto de potássio de Israel

O Brasil também importa fertilizantes de Israel, principalmente cloreto de potássio, embora neste caso o impacto não deva ser tão significativo. Em 2024, Israel foi o quarto principal fornecedor de fertilizantes potássicos para o Brasil, com cerca de 1 milhão de toneladas embarcadas. 

A Rússia liderou as exportações de potássicos para a agricultura brasileira, com 5,4 milhões de toneladas, seguida pelo Canadá (4,9 milhões de toneladas) e o Uzbequistão (1,4 milhões de toneladas). 

“Mesmo quando teve início o conflito israelense com o Hamas, em outubro de 2023, que poderia provocar algum problema para acessar os portos do país via Mediterrâneo, não tivemos grandes problemas”, explica Serigati.

Irã é importante destino do milho brasileiro

Na via contrária, o Irã é ainda um importante comprador de milho brasileiro. A continuidade ou a escalada da guerra na região também tende a prejudicar esse comércio.

Em 2024, o Brasil vendeu para o mercado iraniano 4,3 milhões de toneladas do grão, cerca de 10% de todo o milho exportado. As vendas para o Irã, terceiro maior comprador do produto brasileiro, atrás de Egito e Vietnã, somaram US$ 918,4 milhões. 

“Não acho que vá alterar o preço, porque a gente não tem muita folga nesse mercado por causa da demanda interna de milho para ração e para a produção de etanol”, avalia o professor da FGV. “Mas um trader que tenha um contrato com o Irã como destino pode ter dor de cabeça.”

Alta do petróleo encarece frete e maquinário agrícola

Uma das principais consequências de um prolongamento do conflito, no entanto, deve ser no preço do petróleo, que afeta todas as culturas, algumas mais ou menos diretamente. A região do Oriente Médio é uma das principais produtoras do combustível fóssil, e qualquer tensão influencia nos preços em razão dos riscos associados ao fornecimento do produto. 

O início da guerra entre Israel e Irã fez a cotação do barril Brent saltar de US$ 69,36, na quinta-feira, para US$ 74,75 (+7,77%) no dia seguinte. Na segunda-feira (16), os preços recuaram após notícias de que o Irã estaria buscando negociações com os Estados Unidos para que o país pressione Israel a um cessar-fogo. 

O aumento no preço do óleo diesel influencia diretamente o custo do maquinário agrícola. E produtos que concorrem diretamente com derivados do petróleo tendem a ficar mais caros. “Se a fibra sintética fica menos competitiva, por exemplo, isso tende a puxar o preço do algodão para cima”, explica Serigati. 

Além disso, uma disparada no petróleo encareceria o frete tanto do transporte rodoviário quanto do transporte marítimo, afetando diretamente os custos de importação, exportação, produção e distribuição.

Risco de necessidade de desvio de rota encareceria ainda mais o frete marítimo

Uma das grandes preocupações no mercado global é a possível necessidade de desvio de rotas, especialmente caso o Irã decida bloquear o Estreito de Ormuz, uma pequena faixa de água que liga o Golfo Pérsico ao mar aberto. 

O canal é fundamental para as exportações de petróleo e gás natural do Oriente Médio para o restante do mundo. Segundo a Administração de Informação e Energia dos Estados Unidos, cerca de 20 milhões de barris de petróleo passam pelo estreito diariamente. 

Para o comércio exterior brasileiro, proteínas animais que são comercializadas para o Oriente Médio poderiam ter alguma dificuldade para atender o mercado da região, embora nem o Estreito de Ormuz nem o Canal de Suez, no Mar Vermelho, sejam as principais rotas.

O problema é que a necessidade de um desvio de rotas no fluxo comercial global aumenta os preços do frete e do seguro marítimo de forma geral. “Não é nem uma questão de combustível, mas o mercado de frete ter de se reorganizar tem efeitos para todo mundo”, afirma Serigati. 

Efeitos do conflito entre Israel e Irã sobre inflação de alimentos são incertos

Ainda é cedo para avaliar a forma como o aumento dos custos de produção deve chegar no prato de comida. Serigati explica que a transmissão dos custos do campo para o preço dependerá muito da produtividade.

“A gente passou por uma guerra na Ucrânia que jogou o preço do fertilizante lá em cima, houve um esforço monumental para trazer cloreto de potássio e nitrogenados de onde era possível, inclusive do Irã. E fizemos uma supersafra em 2023”, recorda.

Câmbio não é a maior preocupação

Com relação ao câmbio, as projeções ainda são incertas. Embora em geral guerras levem investidores a buscarem posições em dólar americano, nos últimos anos a segurança associada a títulos dos Estados Unidos tem se reduzido.

“Se o pessoal perceber que, apesar do risco, a coisa não vá escalar nos próximos seis meses, vão olhar antes para os nossos juros reais, que estão rodando próximo de 9%”, diz o economista. 

Na segunda-feira (16), a moeda americana encerrou o pregão cotada a R$ 5,487, renovando o menor patamar de fechamento desde 7 de outubro do ano passado. 



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