25 de maio de 2025

Biocombustíveis reduzem produção de alimentos? Não no Brasil

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O aumento da produção de biocombustíveis pode reduzir a disponibilidade de alimentos, contribuindo para a inflação? O dilema do “food versus fuel” voltou à tona recentemente em meio à discussão sobre a descarbonização do transporte marítimo.

Países europeus argumentavam que a substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis de primeira geração, como etanol e biodiesel, poderia contribuir para alta de preços de alimentos. 

Partidários da tese defendem alternativas como a eletrificação e combustíveis gerados a partir do hidrogênio, como o metanol – opções mais caras, sem escala e que demandariam bilhões de dólares em investimentos em infraestrutura e adaptação de motores. 

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A controvérsia ganhou corpo em 2008, em meio a uma disparada nas cotações de alimentos, quando um relatório do Banco Mundial concluiu que “grandes aumentos na produção de biocombustíveis nos Estados Unidos e na Europa são a principal razão por trás do forte aumento dos preços globais dos alimentos”.

O mesmo relatório, no entanto, afirmava que “o etanol à base de cana-de-açúcar do Brasil não elevou significativamente os preços dos alimentos”.

Em 2010, no entanto, outro estudo da mesma entidade revisou as conclusões anteriores, afirmando que pode ter sobrestimado a contribuição da produção de biocombustíveis.

Outro documento independente, produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também concluiu que o impacto dos biocombustíveis nos preços dos alimentos é muito menor.

Nas discussões no âmbito do transporte marítimo, o Brasil levou uma delegação formada por representantes do setor de biocombustíveis e pesquisadores com uma revisão de centenas de estudos para rebater as críticas aos combustíveis de biomassa.

Biocombustível não afeta ou até eleva oferta de alimentos, segundo a maioria dos estudos

De acordo com o levantamento, entre 224 estudos, dois terços mostram que bicombustíveis não têm impacto ou mesmo elevam a disponibilidade de alimentos. Internamente, especialmente em regiões de baixa renda, a bioenergia geralmente amplia o acesso à comida.

“Preocupações sobre o aumento dos preços de alimentos em razão da bioenergia são vistos principalmente em países ricos. Nesses locais, cerca de 75% dos estudos notaram efeitos negativos”, diz trecho da apresentação.  

No caso do Brasil, o aumento da demanda por milho na produção de etanol, por exemplo, não reduziu a oferta do grão para alimentos ou ração animal nos mercados doméstico e internacional, segundo uma das pesquisas analisadas. 

Dados da União Nacional do Etanol de Milho (Unem) mostram que a produção do biocombustível de milho saltou de 30 milhões de litros na safra 2013/14 para 8 bilhões de litros em 2024/25. A projeção é de que até 2033/34 o volume chegue a 16,6 bilhões.

Daniel Rosa, assessor técnico da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), explica que no processo de fabricação de etanol a partir do grão é gerado o farelo de milho, conhecido pela sigla em inglês DDG (dried distillers grains with solubles).

“Depois do processo de fabricação do etanol, esse milho que seria descartado na verdade é reutilizado na produção do farelo, que, com diferentes concentrações de proteína, volta à indústria para abastecer a cadeia de proteína animal, principalmente de bovinos, suínos e aves”, diz.

O mesmo ocorre na produção de biodiesel a partir da soja, que como subproduto gera o farelo, que contém até o dobro de proteína em comparação à carne bovina.

“Se não se usasse o óleo de soja para biocombustível, teríamos excedente de óleo e faltaria farelo de soja, reduzindo a oferta de proteína vegetal, o que tornaria os alimentos ainda mais caros”, explica Lucas Costa Beber, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT).

Produção combinada de soja e milho gera alimentos, ração e energia. E sequestra gases da atmosfera

A alternância do plantio de soja com milho para geração de etanol também permite a produção combinada de alimentos, ração e energia.

Além disso, a produção de soja combinada com milho não só não reduz a emissão de carbono, como sequestra os gases da atmosfera.

“Não tem outro sistema no mundo que deixe de saldo o sequestro de 1,6 tonelada de carbono por hectare. Não é um sistema de baixa emissão, mas de emissão negativa”, diz Beber.

No caso da cana-de-açúcar, a produção alternada com o cultivo de amendoim e de soja reduz a necessidade do uso de fertilizantes, aumentando a biodiversidade local e promovendo ganho de renda na mesma área produtiva. 

Além disso, mostram as pesquisas, o aumento das receitas nas áreas rurais devido à produção de biocombustíveis levou à inovação no agronegócio brasileiro, à modernização da agricultura, ao desenvolvimento de melhores práticas de manejo, à melhoria da produtividade e da sustentabilidade.

Biocombustíveis têm histórico de melhoria de indicadores socioeconômicos

Biocombustíveis ainda têm um histórico comprovado de melhoria nos indicadores socioeconômicos. Em 2023, o setor sucroalcooleiro brasileiro gerava 2,2 milhões de empregos diretos e indiretos. Muitos países que produzem biocombustíveis também produzem eletricidade nas usinas, que é injetada na rede, ampliando o acesso à energia em regiões rurais.  

“Fica evidente o potencial das economias emergentes em países que não produzem, mas já têm cultivo e vocação para a agricultura, de produzir biocombustíveis”, declarou, em nota, Francisco Turra, presidente dos Conselhos de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).  

Segundo ele, em países que hoje são protagonistas nesse setor, como na região da América Latina, é possível dobrar a produção de biocombustíveis e atender às demandas da transição energética. Trata-se de uma oportunidade para o Brasil – referência na produção de alimentos e de bicombustíveis – crescer ainda mais nessas áreas, de acordo com Turra.

No Brasil, a Raízen, em parceria com a finlandesa Wärtsilä, desenvolve pesquisas para aplicação de etanol como combustível marítimo. A substituição de combustíveis fósseis pelo derivado da cana pode reduzir as emissões de carbono em até 80% em uma rota padrão do Brasil para a Europa, de acordo com estudos preliminares da empresa. 

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