24 de maio de 2025

a peça de ficção das contas públicas do governo Lula

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A necessidade de um pacote de R$ 51 bilhões, anunciado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para fechar o rombo das contas públicas, demonstra que o Orçamento da União de 2025, aprovado em abril pelo Congresso, está distante da realidade da gestão orçamentária.

O valor corresponde ao total de bloqueios e contingenciamentos necessários para o cumprimento da meta fiscal, de R$ 31,3 bilhões — discriminados no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) — somado à receita adicional de R$ 20,5 bilhões proveniente do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

As duas medidas foram anunciadas quase simultaneamente na última quinta-feira (22), numa estratégia de comunicação considerada “atrapalhada”, que afetou o humor do mercado financeiro.

Parte dos agentes econômicos avaliou que o congelamento de recursos foi robusto. Na outra ponta, o aumento do IOF por meio de decreto presidencial deixou claro que a trajetória do gasto público é crescente e que a estratégia é buscar equilíbrio fiscal priorizando o aumento da arrecadação.

“O problema é que o orçamento já havia sido muito irreal no momento da aprovação”, afirma Rafael Prado, economista da GO Associados. “Como sempre, superestimando receitas e subestimando despesas. Daí precisaram lançar mão do aumento do IOF.”

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Para Izak Carlos da Silva, especialista do Instituto Millenium e economista-chefe do BDMG, o Orçamento é uma “peça de ficção, que em alguns momentos tem contornos de uma ópera, com altos e baixos”. “Foi feito ‘para inglês ver’, e todos nós sabemos que não será cumprido, como não foi nos anos anteriores”, diz. “O governo está administrando mês a mês, lançando mão de instrumentos para aumentar a arrecadação.”

Ele acredita que o governo precisou fazer um contingenciamento para impedir um “ciclo espiral negativo sobre as variáveis macroeconômicas”, como aconteceu em novembro, com a divulgação conjunta de um pacote de corte de gastos e da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.

“Por outro lado, fez isso justamente para que possa continuar gastando. Foi necessário contingenciar para viabilizar outro ‘jabuti na árvore’, que foi o aumento do IOF, sinalizando que não há nenhuma intenção de ajustar as contas pelo lado da despesa”, diz.

Governo recuou apenas de parte do IOF

A reação negativa dos agentes econômicos forçou o governo a rever dois pontos sobre o aumento do IOF na mesma noite. Na sexta (23) pela manhã, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu coletiva para informar que seria mantida a alíquota zero de IOF sobre aplicações de fundos nacionais no exterior — estratégia comum em produtos multimercado. O decreto previa a cobrança de 3,5%.

A equipe econômica também voltou atrás no mesmo aumento da tributação de remessas enviadas por contribuintes brasileiros para contas próprias no exterior. Com a mudança, volta a valer a alíquota de 1,1%.

O recuo, no entanto, deve reduzir em apenas R$ 2 bilhões o montante a ser arrecadado em IOF neste ano. Para 2026, a projeção de R$ 41 bilhões de receita adicional anunciada será diminuída em cerca de R$ 4 bilhões.

Haddad havia classificado a medida como um ajuste “pontual”. Para o especialista do Millenium, no entanto, o tamanho do pacote surpreendeu. Na forma original, a medida elevaria as receitas anuais com o IOF para quase R$ 110 bilhões no próximo ano, o equivalente a uma alta de 60% sobre o valor arrecadado em 2024, de R$ 68,8 bilhões aos cofres federais, em valores corrigidos pela inflação até dezembro.

“O governo continua gastando como se não houvesse amanhã, só que o amanhã sempre existe”, constata. “Mas antes de chegar o dia de amanhã, ele vai lá e pede para a sociedade dar uma contribuição maior por meio de impostos para que as contas fechem.”

Apesar do recuo, ele acredita que a medida não está descartada. “O governo não deixa de sinalizar que pretende fazer isso, apenas não conseguiu agora”, diz. “Está avisando ao mercado para se proteger, pois em algum momento pode tentar novamente.”

Receitas acima, despesas abaixo

Na prática, os números apresentados no primeiro Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do ano revelam como as projeções de arrecadação se mostraram otimistas, enquanto despesas obrigatórias, como previdência, benefícios sociais e folha de pagamento, foram subestimadas.

Em relação às receitas, a projeção na Lei Orçamentária Anual (PLOA 2025) era de R$ 2.930,3 bilhões, ou 23,2% do PIB projetado. No entanto, a avaliação do 2º bimestre de 2025 indicou que as receitas esperadas são de R$ 2.899,0 bilhões, equivalente a 22,8% do PIB. Isso representa uma frustração de R$ 31,3 bilhões em arrecadação.

Já nas despesas, a projeção do orçamento era de R$ 2.389,6 bilhões, contra um gasto efetivo de R$ 2.415,4 bilhões. Ou seja, um acréscimo de R$ 25,8 bilhões. A principal responsável pela variação são as despesas obrigatórias do governo, que cresceram R$ 36,4 bilhões, passando de R$ 2.168,5 bilhões para R$ 2.204,8 bilhões. Entre elas, se destacam os gastos com a Previdência, que subiram R$ 16,7 bilhões, e com Benefícios de Prestação Continuada (BPC), que aumentaram em R$ 2,8 bilhões.

“Temos um crescimento do BPC que está preocupando bastante, ampliado pelas fraudes”, afirma Prado, da GO Associados. “Há um orçamento de R$ 112 bilhões para o BPC, que está quase batendo o orçamento do Bolsa Família.” Ele lembra que as despesas obrigatórias, que crescem acima da inflação por causa da política de valorização do salário mínimo, comprimem as despesas discricionárias e inviabilizam investimentos.

Governo contrata crise fiscal

Para Izak Carlos, os problemas orçamentários e fiscais são bem conhecidos, mas não existe predisposição do atual governo para enfrentá-los, sobretudo num “momento de queda na popularidade” do presidente Lula.

Para reverter o quadro, o governo tem investido em uma série de “bondades” que devem pressionar ainda mais as contas públicas nos próximos anos. Além do projeto para ampliação da faixa de isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais, em tramitação no Congresso, também lançou uma linha de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, incluindo domésticos e rurais, com juros mais baixos garantidos pelo FGTS.

Outras iniciativas são a distribuição gratuita de gás de cozinha para cerca de 22 milhões de famílias de baixa renda e a recente a ampliação da tarifa social de energia elétrica, via Medida Provisória. As medidas, além do imacto fiscal, podem afetar a classe média, que pagará pelos subsídios da isenção das tarifas.

“Precisamos rever benefícios fiscais e sociais”, o economista-chefe do BDMG. “Estamos há mais de duas décadas com o Bolsa Família, e o número de beneficiários só aumenta. Não encontramos uma porta de saída, não há incentivos para que eles ingressem no mercado de trabalho formal. Precisamos redesenhar o programa social e aliviar esse peso das contas públicas e das costas do Estado.”

Outro ponto crítico é a questão dos mínimos constitucionais de Saúde e Educação, que crescem acima do permitido pela regra fiscal. “É uma conta que não fecha”, alerta. “Nós colocamos um mínimo constitucional e mesmo assim, desde 1989, não conseguimos atingir indicadores satisfatórios de saúde educação. Precisamos discutir a eficiência do gasto público.”

Para o economista, a falta de realismo na gestão do Orçamento “vai nos conduzir inevitavelmente para uma crise fiscal em 2027”.

“O governo está conseguindo administrar, mas economia não é alquimia — a conta vai chegar”, afirma. “Depois do ano eleitoral, vai ser muito difícil conseguirmos segurar esse problema. Já vimos esse filme antes, especialmente entre 2013 e 2014. E sabemos bem como terminou. Pode ser a mesma história.”



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