Apesar de plano, Brasil continua refém de fertilizantes importados

Três anos depois do lançamento do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), não houve mudanças na dependência brasileira das importações do insumo. Números do setor mostram que não houve avanços em relação ao objetivo do projeto, que é reduzir a participação de fertilizantes importados de 85% para até 45% até 2050.
A iniciativa foi inaugurada no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), em meio a uma crise de abastecimento. Com o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, as vendas de fertilizantes russos para o Brasil foram temporariamente interrompidas, o que acendeu um alerta na agricultura brasileira.
A Rússia é o principal fornecedor mundial de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) e o Brasil, um dos maiores mercados do mundo, está atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos. No caso de fertilizantes potássicos, a dependência brasileira do produto estrangeiro supera 95%.
O decreto de Bolsonaro que criou o PNF segue em vigor no atual governo, e a redução da dependência em fertilizantes constou das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ainda assim, não prosperou.
Dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) mostram um cenário de estagnação de lá para cá, com a importação ainda responsável por 85% do abastecimento do mercado interno. A oferta nacional do insumo, pelo contrário, teve redução desde 2022, quando foi lançado o PNF.
Naquele ano, a produção nacional de fertilizantes intermediários foi de 7,7 milhões de toneladas. No ano seguinte, houve queda de 10% na produção nacional, que somou 6,9 milhões de toneladas. Em 2024, foram produzidos 7,2 milhões de toneladas, um aumento de 3,8%, mas ainda abaixo do patamar de 2022.
Nos dois primeiros meses de 2025, a produção nacional de fertilizantes intermediários atingiu 1,15 milhão de toneladas, um crescimento de 12% na comparação com o mesmo período do ano passado (1,03 milhão de toneladas), mas também ainda abaixo do primeiro bimestre de 2022 (1,23 milhão de toneladas).
As importações, por sua vez, sobem ano a ano. Em 2022, as compras internacionais do setor somaram 34,6 milhões de toneladas. No ano seguinte, foram 39,4 milhões de toneladas, alta de 13,9%. Em 2024, os insumos importados totalizaram 4,3 milhões de toneladas, novo aumento, de 4,8%.
Somente no primeiro bimestre de 2025, foram importados 6 milhões de toneladas de fertilizantes intermediários, o que representa uma alta de 10,1% em relação a janeiro e fevereiro do ano passado (5,4 milhões de toneladas).
Preço do fertilizante é o maior custo para produtor
“Não tivemos avanços até agora”, diz Lucas Costa Beber, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT). “Nós temos um problema sério. O Brasil é muito rico em fertilizantes, principalmente na Amazônia, mas não é possível explorar pela ideologia ambiental”, comenta.
Análise do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) aponta que o aumento dos custos de produção tem resultado em um ritmo mais lento na aquisição de fertilizantes para a safra 2025/26 em Mato Grosso, principal estado produtor de soja no Brasil. Apenas 38,4% dos produtores haviam comprado fertilizantes até fevereiro deste ano, índice inferior à média registrada nas últimas cinco safras.
Conforme o Imea, o custo de produção da soja para a safra 2025/26 subiu 6% em relação à safra anterior, atingindo R$ 7,54 mil por hectare. O valor dos fertilizantes cresceu acima da média, 7,6%, chegando a R$ 1,88 mil por hectare. No caso do fosfato monoamônico (MAP), a alta acumulada é de 20%.
O cenário se repete na produção do milho. O custo do fertilizante, ainda de acordo com o Imea, é de R$ 1,33 mil por hectare, o que representa cerca de 22% do gasto médio total do produtor (R$ 6,1 mil por hectare), à frente dos custos de defensivos e sementes.
“Pode-se dizer que pouco se avançou desde o início desse plano de produção nacional de fertilizantes”, afirma Daniel Rosa, assessor técnico da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho).
Iniciativas vão levar tempo para sair do papel
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) foi procurado para informar as ações do PNF em andamento, mas não deu resposta até a publicação desta reportagem.
Um dos entraves para o avanço na produção de fertilizantes em território nacional é a legislação ambiental. Um dos projetos mais emblemáticos é a exploração de uma reserva de potássio em Autazes (AM), que poderia fornecer cerca de 2,4 milhões de toneladas do composto por ano.
A empresa responsável pelo empreendimento, a Brazil Potash, tenta iniciar a mineração há quase dez anos, com a resistência do Ministério Público Federal (MPF), que alega haver riscos para territórios e povos indígenas da região.
Em março, o presidente da Brazil Potash, Matt Simpson, anunciou que todas as licenças ambientais foram aprovadas, e que o projeto iniciou as primeiras etapas de construção, em um contrato de parceria de investimento com o conglomerado Amaggi, do ex-ministro da Agricultura, Bairo Maggi.
Não há prazo, no entanto, para início da exploração, que deve levar mais alguns anos.
No ano passado, o Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), que inclui representantes do Mapa e de ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), além da Embrapa, Petrobras e das confederações da Indústria (CNI) e da Agricultura (CNA), apresentou uma carteira de projetos estratégicos para alcançar as metas do PNF.
Foram selecionados 65 projetos, sendo 51 públicos e 14 privados, para fomentar a produção nacional de fertilizantes e reduzir a dependência externa. Uma das iniciativas é a criação do Centro de Excelência em Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Cefenp), por enquanto sem sede física.
Em missão na China nesta semana, o governo federal anunciou a intenção de assinar um contrato para estudos de viabilidade técnica e financeira com a China Chemical (CNCEC), com o objetivo de atrair o interesse dos chineses para a instalação de uma fábrica de fertilizantes em Sapopema (PR).
A previsão é de uma capacidade de produção de 520 mil toneladas de ureia por ano, mas ainda não há prazo para as operações.
Em março do ano passado, a multinacional Eurochem inaugurou um complexo na cidade de Serra do Salitre (MG), que inclui uma mina de fosfato, fábricas de insumos e uma unidade misturadora com capacidade para produção de 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados por ano.
Segundo a empresa, a nova fábrica tem o potencial de aumentar em 15% a produção nacional de fertilizantes fosfatados quando em plena operação.
Em agosto, a Petrobras anunciou a retomada das operações da fábrica de fertilizantes Araucária Nitrogenados S.A. (Ansa), na cidade de Araucária (PR), em cerimônia que contou com a presença do presidente Lula.
A previsão, no entanto, é que o retorno da produção no local ocorra somente a partir do segundo semestre deste ano. De acordo com a Petrobras, a fábrica pode produzir por ano 420 mil toneladas de ureia e 475 mil de amônia.
Também faz parte dos planos da estatal a continuidade de obras da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 3 (UFN-3), em Três Lagoas (MS), a retomada do controle de fábricas de fertilizantes na Bahia e em Sergipe, arrendadas para a iniciativa privada em 2020, além do investimento em gás natural para produção dos insumos.
Outras empresas, como Mosaic, Itafos, Viter e Yara Brasil, já anunciaram investimentos que somam cerca de R$ 1 bilhão em projetos voltados à produção de fertilizantes no país.
Já a exploração da jazida de Itataia, no município de Santa Quitéria (CE), onde encontram-se de forma associada fosfato e urânio, após mais de dez anos de pesquisa, tem previsão de ser iniciada até 2029.
Em sua capacidade máxima, a mina, cuja lavra será realizada a céu aberto e em cava, deve produzir anualmente 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, além de 220 mil toneladas de fosfato bicálcico, usado na nutrição animal.