Governo deixa quase 3 milhões de pessoas fora do Bolsa Família

Uma das principais políticas sociais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Bolsa Família não tem atendido à demanda nacional por seus benefícios. Em fevereiro deste ano, 2,8 milhões de pessoas — ou 1,9 milhão de famílias — cumpriam os requisitos, mas estavam na lista de espera para serem atendidas.
Além disso, o governo tem feito cortes no programa que acabam por pressionar a gestão municipal. São exemplos disso a redução no orçamento do programa para 2025, de R$ 9,5 bilhões, e no valor dos repasses federais para triagem e cadastramento de famílias.
Os dados são de um levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), ao qual a Gazeta do Povo teve acesso com exclusividade. Segundo o estudo, em 2024 o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) reduziu o valor do Índice de Gestão Descentralizada do Programa Bolsa Família e Cadastro Único (IGD-PBF), de R$ 4 para R$ 3,25 por cadastro.
O recurso, de acordo com a CNM, é um apoio financeiro da União para que os municípios desenvolvam as ações de gestão do programa e do Cadastro Único, como busca ativa, atualização e averiguação cadastral.
Segundo a entidade, ao reduzir esse repasse, “a União desconsidera suas responsabilidades e as transfere para os municípios, desprezando os elementos relacionados à demanda, como a capacidade de atendimento e a inflação”.
A CNM afirma que, se fosse considerado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA — que mede a inflação) para reajustar o cofinanciamento federal para o IGD-PBF, o valor repassado aos municípios deveria ser de ao menos R$ 8,76 por beneficiário.
O levantamento realizado pela entidade ainda mostra que, atualmente, 53,8 milhões de pessoas recebem os benefícios do Bolsa Família, o equivalente a 20,5 milhões de famílias.
O número é superior aos 51,8 milhões de beneficiários em dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro, mas inferior aos 55,2 milhões de pessoas atendidos em dezembro de 2023.
O biênio 2022-2023 foi o período recente em que o programa apresentou maior crescimento, saltando de 14,5 milhões de famílias em janeiro de 2022 para 21,3 milhões em dezembro de 2023.
Segundo o levantamento da CNM, o aumento naqueles anos deveu-se a dois fatores principais: o crescimento da população em situação de vulnerabilidade social e o incremento de 73% nas famílias unipessoais (de um único integrante) inscritas no CadÚnico.
Limite à participação de famílias unipessoais no Bolsa Família
O ano de 2023 também foi o ápice recente da demanda reprimida — o termo designa as pessoas/famílias elegíveis para receber o benefício, mas que não são atendidas pelo programa. Naquele ano, 3,4 milhões de pessoas estavam na lista de espera.
Devido à alta no cadastro de famílias unipessoais participando do programa, o Ministério do Desenvolvimento Social editou, ainda em 2023, uma norma para conter essa expansão, limitando a 16% o número de lares dessa natureza beneficiados. Também foram implementadas medidas administrativas para atualização cadastral.
Como resultado, quase 1 milhão de famílias deixaram de receber o benefício. Essa redução permitiu que famílias na lista de espera ingressassem no programa, fazendo com que a demanda reprimida chegasse ao patamar atual de 2,8 milhões de pessoas (1,9 milhão de famílias).
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Estados do Sudeste e Bahia lideram a fila de espera
São Paulo e Rio de Janeiro são os dois estados com maior demanda reprimida, com 551,5 mil e 549,2 mil pessoas, respectivamente. Em seguida, vem a Bahia, com 197,6 mil pessoas na fila de espera.
Na análise por região, o Sudeste lidera o ranking de demanda reprimida, com 45% das pessoas na fila, seguido pelo Nordeste (25%), Norte (11%), Sul (10%) e Centro-Oeste (9%).
Segundo estimativas da CNM, considerando o repasse médio do PBF, de R$ 668,65 por família/mês, seriam necessários R$ 15,5 bilhões por ano para atender à demanda reprimida atual, de 1,9 milhão de famílias.
O valor corresponde a um aumento de 9,1% no orçamento aprovado em 2024. No entanto, neste ano, ao invés de acréscimo, como nos anos anteriores, houve corte de R$ 9,5 bilhões no montante destinado ao Bolsa Família pelo governo federal.
Redução de repasses do governo para o programa em 2025
O corte ocorreu após ampla expansão orçamentária do programa. De acordo com a CNM, em 2023, devido à PEC fura-teto (ou da transição), os repasses foram acrescidos em 46% na comparação com 2022, chegando a R$ 166,7 bilhões.
Em 2024, o aumento no orçamento do programa foi bem menor, de 1%, para R$ 169 bilhões. Para 2025, a peça orçamentária previu um corte de 6%, ou R$ 9,5 bilhões.
Até o momento, dos R$ 159,5 bilhões previstos para o custeio do Bolsa Família neste ano, 25% já foram pagos — o equivalente a R$ 41,3 bilhões.
Governo revê norma para desligamento do Bolsa Família
Nesta quinta-feira (15), o governo federal atualizou a regra de proteção do programa. A norma rege o desligamento das famílias que ultrapassaram o patamar máximo de renda permitido para o recebimento dos benefícios.
Atualmente, o limite de renda para entrada no Bolsa Família é de R$ 218 por pessoa da família. Enquanto estão no programa, as famílias que ultrapassarem esse valor, mas não excederem meio salário mínimo por pessoa (R$ 706), entram na regra de proteção.
Antes da portaria editada nesta semana, a regra de proteção permitia que elas continuassem no programa por mais 24 meses, recebendo 50% do benefício a que tinham direito. Com a atualização, o tempo de permanência foi reduzido pela metade, para 12 meses.
A nova norma afeta as famílias que entrarem na regra de proteção a partir de junho. As que já estavam nessa condição seguem com o período anterior para o desligamento (24 meses).
Caso a renda volte a cair, mesmo que a família já tenha sido desligada do Bolsa Família, é possível que ela volte a receber o benefício, pelo mecanismo de retorno garantido, vigente por 36 meses.
De forma sutil, esses cortes e restrições podem indicar possíveis limites fiscais para o programa. Com a aproximação das eleições em 2026, a necessidade de cumprir as metas e, sendo o Bolsa Família uma das bandeiras do governo, é improvável que ele queira arcar sozinho com essa conta, compartilhando-a com os municípios.