China coloca Brasil em espera sobre corredor bioceânico

O desejo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — e da China — de conectar a costa brasileira no Oceano Atlântico ao litoral peruano no Oceano Pacífico por meio de uma megaferrovia transoceânica depende exclusivamente do ritmo que os chineses pretendem dar ao empreendimento. E esse tempo não é o mesmo que a gestão petista pretende encaminhar o corredor bioceânico: antes das eleições de 2026.
O assunto que remonta à década de 1950 foi resgatado no segundo mandato de Lula e colocado como prioridade pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014. Pouco se tornou realidade desde então, com parcos trechos construídos ou em construção. E para completar os mais de 4 mil quilômetros de ferrovia entre Ilhéus, na Bahia, e Cruzeiro do Sul, no Acre, a certeza no governo é de que isso somente será possível se a China bancar o projeto – ou pelo menos boa parte dele.
“Não há investimento privado nacional suficiente. Precisamos de capital estrangeiro. Atualmente, quem possui os recursos necessários é a China, tanto no setor privado quanto no público”, reconheceu a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet. Não por acaso, ela está presente na comitiva de Lula na visita à China, para tentar buscar uma resposta positiva do governo do ditador Xi Jinping. E o mais rápido possível.
Tentando acelerar os chineses, Tebet pediu um retorno em até 30 dias, para antes da Cúpula dos Brics, que acontecerá nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. A ideia do governo brasileiro é formalizar uma parceria com Xi Jinping no corredor bioceânico durante o encontro na capital fluminense.
Tebet vem repetindo que o projeto de “rasgar o Brasil de Leste a Oeste” é fundamental para a economia das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do país e que teria um efeito similar ao de uma reforma tributária nas indústrias do Sul e Sudeste. “Isso representa uma revolução. Quando esse projeto se concretizar, transformaremos todo o cenário econômico do Brasil. Estamos levando desenvolvimento a uma região atualmente considerada a mais rica devido à qualidade de seu solo e agronegócio, mas que carece de infraestrutura”, disse a ministra durante visita à China.
As tratativas com o governo chinês começaram há alguns meses, incluindo a participação da ex-presidente Dilma Rousseff, reeleita para mais cinco anos à frente do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do Brics. Ela colocou esse assunto como prioridade para avançar no banco que tem sede em Xangai e que financia projetos de infraestrutura de interesse do país asiático.
Mais recentemente, em abril, o Brasil recebeu a visita de representantes da estatal chinesa China State Railway Group, que fizeram visitas técnicas a Brasília, Santos e Mara Rosa, em Goiás, ponto chave para a ligação das ferrovias que fazem parte do corredor bioceânico, além de Ilhéus, onde está o Porto Sul, ponto de partida da megaferrovia. Os chineses foram acompanhados não somente por integrantes do ministério de Tebet, como também da Casa Civil e dos Transportes.
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Ligar os oceanos Atlântico e Pacífico por uma ferrovia é um empreendimento vultoso. Só em solo brasileiro, são mais de 4 quilômetros de trilhos, sendo que menos de 15% estão prontos. O desenho se apoia principalmente nos traçados da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), que conectam hoje, no papel, Ilhéus a Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso.
Para lá de Lucas do Rio Verde, até a divisa com o Peru, no Acre, não há um projeto de fato, apenas uma ideia. E essa ideia representa quase metade de toda a parte brasileira no corredor bioceânico, e para onde o governo petista pretende atrair os chineses. Além, claro, dos trechos da Fiol e da Fico que estão em fase de projeto. Abaixo, os trechos brasileiros que compõem o corredor bioceânico:
- Fiol 1: Ilhéus (BA) a Caetité (BA): 537 km (já construída)
- Fiol 2: Caetité (BA) a Barreiras (BA): 485 km (em construção)
- Fiol 3: Barreiras (BA) a Mara Rosa (GO): 838 km (em projeto)
- Fico 1: Mara Rosa (GO) a Água Boa (MT): 383 km (em construção)
- Fico 2: Água Boa (MT) a Lucas do Rio Verde (MT): 505 km (em projeto)
- Lucas do Rio Verde (MT) a Cruzeiro do Sul (AC), chegando na fronteira com o Peru em Boqueirão da Esperança (AC), passando antes por Vilhena (RO), Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC): 1.416 km (em projeto)
Depois que entra em território peruano, a ferrovia precisa vencer a Cordilheira dos Andes, passando por Cusco até chegar ao porto de Chancay, localizado a 80 quilômetros da capital Lima. O porto, aliás, é considerado o maior projeto de infraestrutura portuária do Peru e se trata de um empreendimento chinês — o primeiro desse tipo do país asiático no continente sul-americano.
O terminal custou US$ 1,3 bilhão e é operado pela estatal chinesa China Cosco Shipping Corporation e pela empresa peruana Volcan. Com quatro berços de atracação, Chancay deve movimentar 1 milhão de contêineres e 6 milhões de toneladas de carga solta por ano. Isso em uma primeira etapa. O projeto final prevê 15 cais, multiplicando a capacidade e os investimentos, que podem chegar a US$ 3,5 bilhões.
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Xi Jinping quer aproximar China do mundo com “Nova Rota da Seda”
Dada a importância do projeto para a China, a inauguração do porto de Chancay contou com a presença do ditador Xi Jinping. Na ocasião, ele disse que o empreendimento “permitirá que o Peru estabeleça uma rede de conectividade multidimensional, diversificada e eficiente”. Por se tratar de um porto chinês, e com a possibilidade de se conectar até a costa brasileira no Atlântico, na prática é a própria China a maior beneficiada.
Soja e minério de ferro chegariam mais rapidamente à China, reduzindo a dependência de rotas marítimas tradicionais e mais caras, como o Canal do Panamá.
Os investimentos chineses em projetos de infraestrutura estão pulverizados por todo o mundo, com bilhões de dólares destinados para portos — e obras de acesso — da Ásia, África, Europa e América do Sul, criando uma espécie de “Nova Rota da Seda”, facilitando as exportações chinesas para o mundo e as importações de matérias-primas fundamentais para a economia do país asiático.
No caso do corredor bioceânico, as commodities brasileiras, como soja e minério de ferro, chegariam mais rapidamente à China, reduzindo a dependência de rotas marítimas tradicionais e mais caras, como o Canal do Panamá. Da mesma forma, produtos industrializados chineses poderiam alcançar a América do Sul de forma acelerada e mais barata.
No final de abril, por exemplo, a estatal de navegação chinesa China Cosco Shipping Corporation iniciou uma rota direta entre o porto de Guangzhou, o maior hub portuário no sul do país, e Chancay. O navio Cosco Volga está no Atlântico carregando mais de 400 contêineres com geladeiras, acessórios para eletrodomésticos e peças automotivas. A rota direta com duração de cerca de 30 dias deve custar 20% a menos do que rotas normalmente utilizadas, segundo informou a emissora de televisão estatal CCTV.